Activar som

— Sim, boa tarde.

— Olá, boa tarde. O meu nome é Carolina Pescada. Sou jornalista no PÚBLICO.

— Sim. Sim. Sim.

— Como está? Eu estou a ligar por causa do testemunho que nos enviou para a página especial "Contas à Vida".

O Francisco disse-nos que a prestação do quarto que está a arrendar na residência universitária vai aumentar para 800€. decidiu se vai ficar no próximo ano lectivo?

— Já decidi que não vou ficar.

— Não vai ficar. Estamos a falar de um de um quarto com casa de banho privada? O que é que o quarto tem?

— Tenho cozinha no quarto e a casa de banho privada. São 14 metros quadrados por 695 [euros]. Ainda que o preço fosse um absurdo, estava ligado aos valores.

— O contrato que o Francisco celebra é para um ano lectivo só?

— É por um ano. fazem contratos de um ano.

Só um em cada 12 dos estudantes deslocados da Universidade de Lisboa tiveram acesso a cama numa residência estudantil

Francisco paga 695€ numa residência privada. “Um contrato de arrendamento protegia-me”

No próximo ano lectivo, se quisesse renovar contrato, o aluno universitário teria de pagar mais de 800 euros por mês para viver no mesmo quarto. Um aumento de mais de 15% que a família não consegue suportar.

No dia em que as candidaturas abriram, Francisco decidiu-se: ia para Lisboa para Engenharia Informática e de Computadores. A média não seria um problema, e ir para a universidade estava mais do que decidido por ele e pelos pais. Era uma questão de orgulho ter um filho no ensino superior para quem não teve essa oportunidade. “Na altura deles, no contexto deles, não tiveram oportunidade sequer de pensar ir para a faculdade e claro que isso também contou na minha escolha.”

Por isso, para esta família de Leiria, fossem quais fossem as dificuldades económicas, fossem quais fossem os sacrifícios a fazer, dar-se-ia um jeito. “Os meus pais mostraram-se tão abertos à minha ida para o ensino superior que eu considerei outros países. Cheguei a ver a Suíça, mas acabei por mandar a minha candidatura para Amesterdão. E fui aceite. E deparei-me ali com uma decisão entre ir para Lisboa ou ir para Amesterdão”, recorda o estudante.

Activar som

No início de Setembro passado, Francisco Lisboa, hoje com 19 anos, recebeu a notícia que já esperava. Entrara em Engenharia Informática e de Computadores no Instituto Superior Técnico em Lisboa. E decidiu ficar em Portugal. “[Cheguei] à conclusão de que o meu bolso não conseguia pagar a ida para Amesterdão.”

Como sabia que entraria em Lisboa – as notas garantiam-lhe isso – depressa entrou numa missão que, por estes dias, é quase impossível: conseguir encontrar uma casa, ou mesmo um quarto, a preços acessíveis na capital.

Um “fundo de maneio” para a casa

Francisco começou por procurar um estúdio pequenino onde pudesse estar mais à vontade. Afinal, não conhecia ninguém em Lisboa. “O meu objectivo principal era um T0, ou seja, ter o meu espaço para morar”, já que sofre de ansiedade social e partilhar uma casa com estranhos seria mais um factor a acrescentar à já difícil mudança de cidade e entrada na universidade. Mas os preços eram incomportáveis. Procurou depois quartos, mas mais uma vez com preços a rondar os 500, 600 euros.

Neste ano lectivo, até ao momento, foram atribuídos 12.895 complementos de alojamento a estudantes carenciados

O complemento de alojamento em Lisboa, Cascais e Oeiras é de 310,24€

Sabia que os gastos seriam muitos. Os pais tinham feito um “fundo de maneio”, uma poupança a pensar neste futuro. “O meu pai, ainda que só tenha o 9.º ano, é muito economista. E quando houve este compromisso de ir para a faculdade, ele também teve o compromisso de fazer algumas decisões e acabou por vender o carro, por exemplo. Agora faz o percurso [para o trabalho] de mota, que é substancialmente mais barato”, diz Francisco, referindo ainda que “houve um completo ajuste nos gastos da família”.

Viu casas mesmo fora de Lisboa. “Considerei Amadora, Reboleira. Não tenho carta, então considerei tudo o que estivesse perto do metro e comboio. Não encontrava T0 ou, quando encontrava, eram a partir de 800 euros, sem despesas. Claro que há opções mais económicas, a partilhar quarto, por exemplo, mas isso não era bem o meu objectivo. E os quartos estavam na casa dos 400, 500 euros”, recorda o estudante de Engenharia.

Até que encontrou informação sobre a residência Nido Campo Pequeno, que iria abrir dali a poucas semanas nesta zona central da cidade. Pareceu-lhe uma oportunidade. Teria quarto e casa de banho privada. E ainda uma pequena área com fogão e lava-loiça, que lhe permitiria desenrascar uma refeição no próprio quarto. Era o que queria.

“Não é um preço que justifique”

No Verão passado, ainda estava tudo em obra, nem sequer dava para visitar o interior da residência. “Fiquei um pouco espantado, porque no mês a seguir era suposto eu ir para lá.” Mas Francisco decidiu arriscar e assumir que pagaria 695 euros por um espaço com 14 metros quadrados. Considerando outras hipóteses, os preços eram semelhantes, diz. E ficaria perto do Instituto Superior Técnico (ainda não sabia que teria aulas no campus do TagusPark, em Oeiras).

Entrou no dia 3 de Setembro. Tratou de tudo online. Pré-reservou, assinou depois “um contrato de prestação de serviços de alojamento de estudantes” — que não é um contrato de arrendamento — para 51 semanas. Pagou uma taxa antecipada de 200 euros para garantir o seu lugar e fez depois um depósito final de 600 euros, 30 dias antes do início do contrato, como uma espécie de caução. “Eles prestam-me o serviço de ter o quarto, luz, água, Internet e [acesso] a um piso que eles criaram com espaços de lazer”, diz Francisco.

A residência Nido Campo Pequeno tem 305 estúdios e 75 quartos

O preço dos quartos, no ano lectivo 2022/2023, variou entre os 695€ e os 1096 euros

Apenas 35% dos ocupantes são estudantes portugueses

É como se fosse uma espécie de hotel. A residência tem uma recepção onde se registam as entradas de quem não mora na residência. Ao longo de um corredor, há portas dos dois lados numeradas. Francisco passa o cartão e a do seu quarto abre-se.

É um quarto em tons de cinzento, também ele uma espécie de corredor. A casa de banho fica à direita, próxima da porta. Depois começa um balcão com lava-loiça, um minifrigorífico e uma placa de indução. A cama fica ao fundo, encostada à janela. A televisão pregada na parede, seguida de uma secretária com computador e materiais de apoio ao estudo e de um armário para as roupas.

“Tenho o meu espaço, tenho a minha casa de banho, tenho o meu quarto e tenho a minha cozinha, mas não é um preço que justifique”, diz Francisco. A limpeza do quarto, assim como roupas de cama e toalhas não estão incluídas. Tem ainda acesso às áreas comuns como a sala de estar, cozinha e ginásio, salas de ioga e de cinema, embora com essas valências considere o preço demasiado elevado para a realidade portuguesa.

Mais ainda quando, no início de Abril, a residência enviou um email a avisar de que a renovação de contratos para o próximo ano lectivo estaria disponível e se confrontou com um aumento de mais de 100 euros. “Fui eu que tive de ir ao site e perceber que tinham aumentado de 695 para mais de 800 euros”, diz Francisco. O estudante teme que esse aumento não fique por aqui, já que há uns dias recebeu um email a dar nota de que a gestão da residência mudará de mãos para outra empresa a 1 de Junho. E visitando o site da nova empresa, o equivalente ao seu quarto está agora a custar 839 euros por mês.

É um valor superior ao ordenado mínimo nacional. “Se eu tivesse um contrato de arrendamento estava protegido deste tipo de aumentos”, faz notar. “Quando eu vi este aumento, a minha primeira reacção foi que nunca ia pagar isto. Mesmo se conseguisse recusava-me a pagar este valor, mesmo [por estar a] normalizar este tipo de valores no mercado. É um absurdo”, atira.

Concorrer a bolsas

Para conseguir manter-se em Lisboa, Francisco concorreu a várias bolsas. Teve acesso à bolsa de estudo que é atribuída pela Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES) e que lhe permite pagar a totalidade das propinas. E ainda uma outra de três mil euros que ganhou de uma instituição privada.

Francisco ainda tentou um lugar numa residência pública, mas não teve resposta. Acabou por recorrer ao complemento de mobilidade por ser estudante deslocado e bolseiro, tendo direito a cerca de 310 euros mensais. “É uma ajuda. Também me custa tirar recursos à DGES para trazer para estas empresas, mas ajuda”, diz Francisco, reconhecendo o “privilégio” de ter um comprovativo de renda, que lhe permite aceder a estes apoios, e que sabe que muitos estudantes na capital nem sequer isso têm.

A mudança para Lisboa fê-lo “despertar” para o problema da falta de habitação a preços acessíveis. Por isso tem batido a muitas portas para expor o problema. Já escreveu aos proprietários da residência, ao Ministério da Habitação e à Secretaria de Estado da Habitação, à Câmara de Lisboa e à Junta de Freguesia do Areeiro e apresentou uma queixa junto da Direcção-Geral do Consumidor.

“O que me interessa é estar protegido de direitos que me foram tirados, que não faz sentido que existam sobre contratos de arrendamento e não existam sobre este tipo de contratos, que, na prática, são contratos de arrendamento, ainda que na teoria sejam prestações de serviços de alojamento”, diz Francisco Lisboa.

Mesmo depois de assinar o contrato, Francisco nunca parou de procurar alternativas

Apesar da ajuda mensal do complemento, no próximo ano lectivo Francisco não conseguirá suportar a subida dos custos

Agora, a procura por um quarto continua

Preços inacessíveis

Esta residência do Campo Pequeno, que opera sob a marca Nido (e que passará a ser Home & Co.​), integra o sector das residências partilhadas da empresa Round Hill Capital, que tem várias espalhadas por países europeus. Em Portugal, a Nido gere seis, com capacidade para 1275 pessoas, num “equilíbrio entre estudantes nacionais e internacionais e jovens profissionais”, refere a empresa ao PÚBLICO.

Sobre as rendas cobradas afirma que o valor inclui “todas as contas de despesas correntes, assim como custos de aquecimento, ar condicionado e wi-fi”. Para a empresa, esta é uma forma de proporcionar aos residentes “estabilidade nas suas despesas mensais”, o que é “particularmente importante nesta altura de inflação”. Como a Nido abriu novas residências em 2022, esta será também altura de rever os preços em linha com o mercado.

Quando os 380 quartos ficaram disponíveis em Setembro passado, os preços oscilavam entre os 695 e os 1096 euros por mês. Acabaram inaugurados com pompa a circunstância em Março passado, contando com a presença do presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, o que lhe mereceu críticas por se estar a associar a um empreendimento privado, com preços inacessíveis para a maioria das famílias da classe média e num momento em que a oferta pública de residências tarda em ser reforçada.

Moedas acabaria a desvalorizar a polémica entretanto criada, afirmando que “o trabalho para aumentar a oferta a este nível deve ser feito em todas as frentes, com os contributos de todos os sectores e não marginalizando ninguém”. Em declarações ao PÚBLICO na altura, o autarca reiterou que “agradece sempre, sem complexos, o investimento privado, que neste caso ascendeu a 150 milhões de euros na cidade”, acrescentando que “o grave problema da habitação e em particular das residências para estudantes só pode ser resolvido com mais investimento público”.

Por agora, Francisco já decidiu que quer deixar a residência. “Não me queria sujeitar durante anos a este tipo de preço e esta opção era mais como um ‘desenrasca’ de primeiro ano, por não conhecer nada.” Está já a procurar outras opções de quartos e de casa, mas o cenário actual suscita-lhe outro tipo de pensamento: “Será que consigo ficar em Lisboa? Será que não preciso de mudar de cidade, de universidade? Será que não preciso de mudar de país?”