Uma literatura a descobrir

Estive agora no Congresso da Associação Brasileira de Literatura Portuguesa. Havia cerca de 400 pessoas e comunicações sobre os mais variados autores, sobretudo da literatura portuguesa contemporânea: de Pessoa a Carlos de Oliveira, de Agustina a Miguel Sousa Tavares (que é neste momento o grande êxito das nossas letras no Brasil, podendo nós ver gente nos meios de transporte ou nos aeroportos a ler o Equador), de João de Melo a Hélia Correia, de Herberto Helder a Al Berto. Uma ausência que talvez se entenda: Daniel Faria. O resto é a demonstração de que os textos fundamentais da literatura portuguesa são objecto de um estudo, por vezes aprofundado, no Brasil. A par de algumas banalidades.Entre nós assistimos nos últimos anos a uma edição de um número considerável de autores brasileiros, mas a isso não correspondem estudos desenvolvidos sobre a questão. Para além do trabalho notável de Abel Barros Baptista em Lisboa, e do já longo esforço de Arnaldo Saraiva, expresso na coordenação da revista, temos a notável actividade de uma das melhores conhecedoras de João Guimarães Rosa: Clara Rowland. Maria Sousa Tavares tem estudos assinaláveis sobre João Cabral de Melo Neto. Gastão Cruz e Eucanaã Ferraz têm contribuído para o intercâmbio poético entre Portugal e o Brasil. E em dada altura a revista poética Inimigo Rumor tinha uma edição comum em Portugal e no Brasil, mas um desentendimento com causas que ainda não entendi fez cessar essa prometedora colaboração.
Entre nós também, uma das editoras que mais têm trabalhado no sentido da revelação de autores brasileiros é a Cotovia. Não espanta assim que seja na Cotovia que surge um empreendimento de extrema importância e que espero que tenha consequências em relação à quantidade de estudos sobre estas matérias. É seu director o já mencionado Abel Barros Baptista. Trata-se de um Curso Breve de Literatura Brasileira, em que cada volume é da responsabilidade de um brasileiro ou de um português. Temos Paulo Franchetti, Alcir Pécora, Bernardo Carvalho, ou Carlito Azevedo. Do lado português intervêm Oswaldo Silvestre, Carlos Mendes de Sousa ou Clara Rowland. Surgem ainda dois italianos: Ettore Finazzi-Agrò e Roberto Vecchi.
Segundo Abel Barros Baptista, "o critério primordial de selecção privilegia as obras que acrescentam a sabedoria literária occidental, mas acolhe também aquelas que contribuíram decisivamente para dar à literatura brasileira a configuração própria enquanto literatura nacional autónoma". Não pode deixar de se recomendar vivamente a aquisição desta colecção. Ela ajuda a descobrir uma literatura.
Dos volumes até agora publicados temos uma antologia de contos de Machado de Assis e o seu magnífico Memórias Póstumas de Brás Cubas. Temos ainda uma antologia da poesia do romantismo ao simbolismo: os textos são muitas vezes datados, mas constituem um testemunho importante. E temos ainda o volume do modernismo brasileiro, saborosamente intitulado Seria Uma Rima, Não Seria Uma Solução. Aqui irrompem os grandes: Mário de Andrade, Oswaldo de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Murillo Mendes, etc. A ler neste caso integralmente.
A iniciativa de Abel Barros Baptista e das Edições Cotovia merece o maior aplauso. Aguardemos Lispector, Graciliano, Cornélio Penna (a descobrir), Melo Neto e esse extraordinário (em todos os sentidos do termo) Nelson Rodrigues. O Brasil merece que a gente atravesse o oceano literário. Professor universitário

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