2001: ano internacional do voluntariado

1. Sem dúvida em reconhecimento do valor intrínseco e dos benefícios do voluntariado, as Nações Unidas decidiram que o ano de 2001 seria o Ano Internacional dos Voluntários. Portugal vai associar-se oficialmente a esta dedicação (o Governo já aprovou, nesse sentido, uma Resolução). Deus queira que daí resultem medidas, legislativas e outras, para um quadro institucional mais favorável de políticas horizontais de estímulo e apoio ao voluntariado social. O voluntariado é caracterizado pelas Nações Unidas como um serviço social que não tem por motivação nem uma vantagem económica, nem uma remuneração pelo trabalho, nem uma carreira profissional. E que se oferece gratuitamente a outrem. As Nações Unidas consideram o voluntariado como uma grande força ao serviço do desenvolvimento humano e social, e não apenas nos países menos desenvolvidos. Na verdade, o voluntariado é mais valioso do que muitas vezes se pensa, não raro apenas com base no estereótipo da boa acção isolada, da contribuição de emergência, de programas específicos de solidariedade, ou das obras pias de misericórdia. Todas estas manifestações são preciosas, deve dizer-se; mas é preciso ver o voluntariado como socialmente estrutural e estruturante. Merece a pena reflectir sobre o valor e o alcance do voluntariado.2. Na maior parte das vezes, o que mais se valoriza, na vida social, é a produção para o mercado, e o trabalho realizado numa relação onerosa de troca: seja o trabalho remunerado prestado a outrem por via de um contrato de trabalho; seja o trabalho autónomo por via de um contrato de prestação de serviços; seja, ainda, a actividade incorporada nas mercadorias que se compram e se vendem. Mas a verdade é que há um outro hemisfério da vida humana em que a actividade não é desenvolvida para obter uma contrapartida, mas sim para benefício de outrem. Temos, então, altruísmo, gratuitidade, amor, voluntariado. Nos meus círculos de juventude, eram muito apreciadas as teses de um autor francês, François Perroux, que precisamente defendia a necessidade de distinguir entre aquilo que ele chamava a "economia da troca" e a "economia do dom". Com efeito, a ciência económica ocupa-se apenas ou quase só da troca. Perroux, que tinha tanto de economista universitário como de humanista, desejava que a esfera da vida não mercantil (isto é, a esfera da gratuitidade e do amor) fosse mais valorizada do que é, inclusive numa perspectiva económica. É nessa esfera que está a melhor (e talvez a maior) parte da vida humana.A verdade é que o serviço gratuito é humanamente essencial, e está por exemplo institucionalizado na grande tradição da vida familiar. Quanto trabalho não é realizado nas relações pessoais da família, sem expressão económica e sem entrar na contabilidade nacional. De habituados que estamos, nem vemos esse trabalho como tal. Bastaria calcular o seu custo a preços do mercado (a que se acrescentaria o trabalho prestado pelas instituições de finalidade altruísta, religiosas ou não) e logo se conseguiria um aumento espectacular do PIB. Neste sentido fundamental, o voluntariado é uma fonte inesgotável de recursos constantemente renováveis e gratuitos; é uma riqueza material e espiritual. E não é apenas uma riqueza contabilizável para os beneficiários; é sobretudo uma respiração vital para que todos possam oxigenar a sua alma pela solidariedade, pelo amor, pela gratuitidade. A diferença do voluntariado está na mais valia da personalização, que lhe advém não tanto da gratuitidade do serviço, mas sobretudo da doação pessoal do voluntário. A sociedade mercantil dos nossos tempos desenvolveu uma grande capacidade económica de produzir riqueza e uma grande operacionalidade para distribuir os bens. Ainda bem. Por outro lado, o Estado social tem-se expandido a uma dimensão notável. Ainda bem. É porém essencial não mercantilizar toda a actividade social. Neste sentido, o voluntariado é uma genuína expressão da sociedade civil, que constitui uma grande reserva não apenas contra a absorção de toda a vida social pelo mercado económico, mas também contra a excessiva estatização.3. Em Portugal, país dado como tradicionalmente individualista, pobre de iniciativa civil, existem exemplos notáveis de voluntariado. Como o das misericórdias (cujos 500 anos de história se têm estado a comemorar); como o dos tão populares e estimados bombeiros voluntários; como, mais recentemente, o dos movimentos ecologistas, o da AMI, etc. Há um outro caso também notável: o das chamadas instituições privadas de solidariedade social (IPSS), cuja importância é paradigmática - e se deve, em parte muito apreciável, à lúcida legislação, que as reconhece e apoia, e à parceria que o Estado tem mantido com elas. As Nações Unidas definiram objectivos para estas comemorações. Que se podem resumir no seguinte: reconhecer e facilitar o voluntariado; promover um clima de opinião pública favorável; congregar uma cooperação alargada e em rede, na qual se inclua a comunicação social e as forças económicas, sociais e culturais; finalmente, cuidar de um estatuto legal adequado ao voluntariado, com apoios fiscais e outros. À volta destas propostas das Nações Unidas é possível congregar um largo consenso, entre nós, e ir mais longe numa cultura de voluntariado social institucionalmente apoiada. Ponto é que não fiquemos apenas em comemorações.

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