"O que é novo no terrorismo global é a organização em rede"

Politicamente podemos falar de uma guerra contra o terrorismo, mas nesta guerra não cabem as noções tradicionais de vitória, diz Ian Lesser, investigador da Rand cujo último trabalho foi justamente sobre o terrorismo global. O mais que podemos fazer é contê-lo. Entrevista de Teresa de Sousa (texto) e Daniel Rocha (fotos). Ian Lesser é investigador da Rand Corporation, um dos mais prestigiados "think-tanks" americano. Foi nessa qualidade que, pouco antes do 11 de Setembro, editou um livro que rapidamente se transformou num "best-seller". "Countering the New Terrorism" resultou de um estudo encomendado à Rand pela Força Aérea americana na sequências do atentados contra o porta-aviões SS-Cole no Iémen, em 1999. A sua actualidade não poderia ser, pois, maior. O especialista americano esteve recentemente em Lisboa para participar numa conferência internacional do Instituto de Estudos Estratégicos (IEEI) sobre o pós-11 de Setembro. Ian Lesser - O que é novo é a escala incrível da fractura e da perturbação provocadas. Mas também é verdade que este tipo de terrorismo está a ser discutido há anos. Ao longo da última década, pudemos observar esta transformação do terrorismo num fenómeno de natureza internacional e cada vez mais letal, com mais vítimas e mais destruição, sem reivindicação específica e com apoios cada vez mais vagos. Ou seja, era já possível verificar todas estas características, que encontramos na sua forma extrema nos atentados de 11 de Setembro. E que são diferentes do terrorismo clássico que conhecemos nos anos 60 e 70, perpetrado por pequenas organizações politicamente muito motivadas e com apoios claros. P: - Nesta nova definição do fenómeno terrorista, onde encaixa a natureza do alvo? No 11 de Setembro foram visados os símbolos da superpotência americana. Mas, por outro lado, o terrorismo na Argélia provocou nos últimos anos 100 mil vítimas.R: - De certa forma, isso também é característico desta nova forma de terrorismo internacional - o simbolismos dos alvos. Mas também o número de vítimas inocentes, obrigando-nos a redefinir conceitos. Antes do 11 de Setembro, o terrorismo de massas significava destruir uma embaixada ou fazer explodir um avião, provocando centenas de vítimas, no máximo. Agora estamos a falar de milhares e, nesse sentido, há também uma diferença.Mas há ainda outro aspecto. Até agora, o terrorismo tinha uma dimensão nacional, mesmo que o número de vítimas pudesse atingir os números que mencionou para a Argélia, num período de alguns anos.P - Mencionou o facto deste novo tipo de terrorismo estar a ser debatido há pelo menos uma década - o seu livro surge neste contexto. Mas fica a ideia de que os EUA não estavam preparados para ele. Como explica isso? R - Este tipo de terrorismo tinha já sido antecipado e muito debatido entre os especialistas. Falava-se até da possibilidade de terrorismo nuclear. Houve também a preocupação de recolher informações sobre as redes que o poderiam alimentar e houve mesmo algum sucesso em combatê-lo. É verdade, no entanto, que o 11 de Setembro apanhou toda a gente de surpresa e houve falhas na capacidade de preveni-lo. Mas isso não significa que a possibilidade não fosse pensada.P: - Quer dizer que os EUA estavam a valorizar correctamente este novo tipo de ameaça?R: - Não. É difícil preparar uma sociedade para este tipo de acontecimentos. Não sei se alguém o teria podido fazer. Na Europa, há países que lidam com o problema do terrorismo doméstico há muito tempo. Mas estamos a lidar, insisto, com um problema totalmente diferente.P: - Subitamente, este novo tipo de terrorismo começa ser percebido como a principal ameaça à segurança americana e mundial. Com que consequências para a política americana ? R: - Esta nova dimensão da defesa interna, por exemplo, já estava na agenda política, ainda que na perspectiva da defesa antimíssil. Agora vai continuar a ser, em parte, sobre isso, mas vai incidir sobretudo neste novo tipo de ameaça terrorista. A questão é saber quais serão as consequências desta abordagem que tende a concentrar-se num único objectivo.P: - Em termos internos mas também em termos externos, das relações dos EUA com o mundo? R: - Pode transformar-se no principal princípio organizador dessas relações. Mas penso que, no mais longo prazo, vamos ter de pensar como integrar o contraterrorismo nas nossas estratégias regionais e globais, e não o contrário. Há ainda muitas coisas que importam no mundo que não têm nada a ver com terrorismo e contraterrorismo. P: - O seu livro aborda os vários aspectos de uma estratégia de "containement" para enfrentar esta nova ameaça... R: -Utilizou a palavras certa: "containement". É possível contê-la, não vencê-la. Politicamente, falamos de uma guerra contra o terrorismo mas, de facto, nesta guerra não cabem as noções habituais de vitória. O que podemos fazer é conter o problema em determinados limites e garantir que os seus aspectos mais destruidores não aconteçam. Porque este tipo de terrorismo pode ser altamente destruidor mas também altamente perturbador das nossas sociedades. P: - Que são muito vulneráveis...R: - As sociedades democráticas e abertas como a americana, apesar da sua força, enfrentam dificuldades para se defenderem deste tipo de agressões. Mas isso não significa que os terroristas possam ganhar esta luta. Eles têm uma visão apocalíptica do mundo e queriam provocar um conflito do qual resultasse o enfraquecimento do poder americano e do seu sistema de valores. Nada disso aconteceu nem vai acontecer. Nesse sentido, não tenho qualquer receio de que eles vençam. Mas alguma coisa de terrível aconteceu com consequências sociais e económicas que não se limitam aos EUA. Não se esqueça que os maiores perdedores de uma recessão mundial estão no Sul e não no Norte.P: - Antes do 11 de Setembro, a ameaça da utilização de armas de destruição maciça (nucleares, químicas e biológicas), utilizada eventualmente pelos chamados Estados-párias, surge como a mais importante. Estes atentados são perpetrados por redes mais ou menos rudimentares que utilizam armas tradicionais. R: - No livro que já referiu a ênfase era justamente colocada nesse tipo de redes. Uma das coisas que apontávamos como nova era a forma como esse novo tipo de terrorismo global se organizava e não apenas o tipo de armas que poderia usar. O que vimos em Nova Iorque e em Washington, apesar da dimensão, não representa uma inovação radical, antes a utilização muito destrutiva de um método muito tradicional. O que é novo e importante é a organização em rede, porque ela torna muito mais difícil a recolha de informação e a prevenção. P: - Mas quando os EUA pretendiam dar prioridade a um sistema de defesa antimíssil (MD) visavam os Estados não as redes.R: - São questões diferentes. O que está a ver agora é a preocupação em formar uma coligação [contra o terrorismo] que envolve diferentes níveis de cooperação e actores com naturezas muito diferentes, que podem ir dos Estados às ONGs ou aos indivíduos. P: - Com implicações na política de defesa americana?R: - Certamente. Mas não necessariamente num sentido multilateral. Se esta nova dimensão da defesa interna se transforma no princípio organizador central de uma estratégia de defesa, se toda a gente se concentrar em defender a sua casa, como é que se vão reconciliar todas estas estratégias concorrentes num quadro internacional? O que quero dizer é que desta crise também pode emergir um cenário de crescente isolacionismo. P: - Em que medida é que o risco de utilização de armas nucleares pelo grupo de Bin Laden é um risco real?R: - O debate entre os especialistas tem incidido nos últimos anos sobre esta capacidade de acesso das redes terroristas a material nuclear e ao "know how "para utilizá-lo. Embora não haja certezas essa possibilidade existe e, por isso, devemos reagir em conformidade. P: - É uma possibilidade realista? R: - Uma das consequências do 11 de Setembro foi a redefinição a nossa noção do que é realista e irrealista. Temos de mudar as nossas concepções e planear em conformidade. No actual contexto, temos de nos preocupar seriamente com essa possibilidade.

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