Nos museus, a Páscoa já não é o que era

Este ano a Páscoa está a ser diferente. Depois de mais de dez anos quase consecutivos de greve nestes dias, trabalha-se nos museus. Os espanhóis agradecem

a Sol, esplanada, museus. "Santa sexta-feira!" exclama Manuel Álvares Vicente, em Belém, Lisboa, claramente satisfeito, sentado numa esplanada com a mulher e o filho, mesmo ao lado do Museu dos Coches. E não vão ficar por ali. Seguem-se o Mosteiro dos Jerónimos e o Museu da Marinha e, "se ainda houver tempo e disposição, o Padrão dos Descobrimentos." Enfim, "uma barrigada de museus". Na semana passada souberam pela imprensa que, depois de mais de dez anos quase consecutivos de greve no período pascal, os trabalhadores dos museus não iriam recorrer a essa forma de luta, e resolveram pôr-se a caminho. Mas mesmo assim telefonaram na véspera, "pelo sim, pelo não".Não foram os únicos. No Museu dos Coches e no Museu de Arte Antiga foram recebidos vários telefonemas da parte de pessoas que queriam inteirar-se se iriam estar abertos. Percebe-se porquê. Há mais de dez anos que a Páscoa é marcada por greves nos museus e palácios.
Este ano a Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública resolveu dar o benefício da dúvida ao novo Governo - como já acontecera anteriormente por duas vezes, a última das quais em 2005 - até porque foram contratados 52 tarefeiros que entraram em funções em Março. Mas ainda este mês será apresentada à ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, uma lista de reivindicações - revisão de carreiras, horários de trabalho, reclassificação profissional, falta de pessoal e o gozo de folgas, dois domingos por mês e Sexta-Feira Santa são pontos que querem ver analisados. Assim, para o ano, se o impasse se mantiver, a família Vicente volta a bater com o nariz na porta.
Alheios a toda esta situação estão os muitos espanhóis que chegam a Portugal nesta quadra em gozo de miniférias. Quando, em 1997, o então ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho assinou um despacho administrativo, onde impunha a obrigatoriedade de trabalhar na Sexta-Feira Santa, um dos argumentos invocados foi essa afluência. Os espanhóis agradecem. "Os museus deviam estar abertos sempre. São locais de lazer e de cultura. Se não estiverem abertos quando as pessoas têm mais tempo para os visitar, estarão quando?", questiona Santi Carrillo, no momento em que sai do Museu de Arte Antiga.
Ao final da manhã, apesar dos ecos das últimas semanas, que acentuaram a excepcionalidade da ocasião, tendo em atenção a história de paralisações, não se notava um maior afluxo de pessoas aos museus.
A calma imperava. "Estava à espera de mais gente", confessa o vigilante-recepcionista João Gomes do Museu dos Coches. "Nos últimos anos há sempre muitos grupos de espanhóis e também de italianos, que também estão a descobrir Lisboa nesta época, mas este ano parece-me que há menos. Não será uma diferença significativa, mas existe." Explicação? "O sol convida é a estar na rua e a crise chega a todos os lados."
Reforços de pessoal
Nas últimas semanas o Museu dos Coches foi reforçado com quatro novos funcionários, a sua chegada é motivo de regozijo para João Gomes, "quantas mais pessoas melhor!", mas em relação ao dia de ontem, "com eles ou sem eles, está tudo em perfeita harmonia". O mesmo se passava no Museu de Arte Antiga, às Janelas Verdes. Sandra Miranda, também vigilante-recepcionista, já fez greve no passado, mas ontem lá estava no seu posto. "Fiz greve algumas vezes, mas este ano decidiu-se não se fazer greve e aqui estou", afirma, realçando que, em termos de afluência, "há um equilíbrio entre portugueses e estrangeiros".
O ano passado Amélia Ramos e o marido aproveitaram a Sexta-feira Santa para visitarem o Museu de Arte Antiga. Aquele museu, como outros, apesar de ter sido decretada paralisação, esteve aberto. Um ano depois, o casal de reformados regressou, dizendo que "museus é com eles". Estando aposentados, seria de esperar que aproveitassem o tempo livre para escapar aos dias de previsível maior afluência. Mas, enquanto sorriem, lá vão explicando a teoria. "A nós, para além dos espaços, interessa-nos ver pessoas e, nestas alturas, é quando elas aparecem. Os museus só fazem sentido com pessoas."
Uma teoria dificilmente partilhável com o casal espanhol Axel e Juana Saez, que visitam pela primeira vez Portugal neste período. Não se pode dizer que estejam propriamente a gostar. "Não sabíamos que "isto" estava cheio de espanhóis", diz o elemento masculino. "Saímos de Espanha para respirar outros ares. Já nos tinham dito que havia muitos espanhóis, mas tantos assim?" Acabaram de sair do Museu dos Coches e também não ficaram muito impressionados. "É muito pequeno", diz ela. "Até agora estamos a gostar da comida. É como a espanhola." Vá lá.

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