Madrugada de assaltos

Roubos violentos desfilaram nas auto-estradas da Grande Lisboa. Todos muito rápidos. Todos aterrorizadores. Todos limpinhos. Sete a nove jovens negros, transportados em carros velozes, roubaram três postos de abastecimento, cinco automobilistas, e uma roulotte de comes e bebes. Tudo em duas horas. Pelo caminho ainda assaltaram pessoas e quase violaram uma actriz. A PSP, PJ e GNR montaram logo um cerco impressionante. Houve perseguições à Hollywood. Mas os assaltantes escaparam. A oposição em peso pediu a cabeça do ministro Fernando Gomes. Este respondeu que estavam a "exarcerbar" o fenómeno do crime. E, num passeio de comboio, anunciou um policiamento de excepção.

Todo o dia de ontem se esperou que a qualquer momento as forças de segurança capturassem o grupo de jovens negros que, na madrugada anterior, tinha feito uma expedição arrasadora por bombas de gasolina e afins nas circulares rodoviárias que rodeiam a capital. Mas foi esperar em vão.Apesar do esforço gigantesco das polícias, Fernando Gomes - a quem já há largos tempos nada, mas mesmo nada, corre bem - teve de vir dizer numa conferência de imprensa à hora de jantar que ainda não tinha resultados a apresentar. Pior: foi informado em directo pela SIC que, desde o início daquele noticiário, já outra gasolineira tinha sido assaltada: no Fogueteiro, na Margem Sul - por sinal a zona onde as polícias andavam a procurar os assaltantes que, horas antes, lhe tinham escapado por um triz.O ministro da Administração Interna apresentou-se ao país depois de uma reunião com todas as forças de segurança, nomeadamente com o SIS. E fê-lo para anunciar medidas excepcionais de policiamento para a Área Metropolitana de Lisboa. Já o tinha feito de manhã, num comboio da Linha de Cascais, mas sentiu necessidade de, naquela hora, se repetir: "Os cidadãos de Lisboa sentirão dentro de dias a presença forte da polícia e da guarda", garantiu o ex-presidente da Câmara do Porto. E falou da entrada ao serviço de mais 400 agentes da PSP e 200 da GNR, vindos das escolas de formação. Na linha de Cascais, exemplificou, todos os comboios e estações têm já presença policial de peso. Criticou, por isso, a oposição, por esta "agigantar" o sentimento de insegurança (ver texto na página 5). E concluiu que Portugal tem dos melhores índices europeus relativamente ao número de polícias por pessoa.Mas voltemos ao que se passou na noite anterior (ver infografia). Mal os rádios das polícias anunciaram que um grupo de seteadolescentes, de cerca de 16 anos, assaltara o posto de abastecimento deOeiras, na auto-estrada de Cascais, houve um alerta geral. As comunicações das patrulhas que se encontravam na zona da A5 e da Circular Regional Exterior de Lisboa (CREL), as do comando, e as dos postos de abastecimento, davam indicações alarmantes: jovens perigosos; com caçadeiras de canos serrados; em viaturas de grande cilindrada. "Sabemos que estes bandidos são capazes de atirar a matar. Alguns são miúdos mas bons criminosos", disse ao PÚBLICO um dos homens envolvidos na tentativa de captura (ver "Relato da perseguição policial").O carro onde este agente seguia dirigiu-se imediatamente para a CREL, para onde as viaturas dos bandidos haviam cortado depois do primeiro assalto. "Estivemos mesmo no encalce deles. Vimo-los várias vezes. Faltava era velocidade aos nossos automóveis". Na Avenida de Ceuta esteve quase. Só que, após a Ponte 25 de Abril, as rectas da A2 permitiram que as viaturas fugitivas, nomeadamente o Honda Civic de Lídia Franco (ver outro texto) e um BMW, ganhassem muito terreno. Em Palmela desapareceram de vez. Os dois veículos viriam ontem a ser encontrados perto de Setúbal.Horas depois, durante o primeiro dia da sua visita à Expo2000, em Hanôver, o Presidente português, Jorge Sampaio apelou à serenidade. "Temos todos em Portugal que nos dirigir às causas destes fenómenos", afirmou. "Eu, ultimamamente, tenho percorrido zonas muito difíceis onde existem problemas por falta de escolaridade e componente familiar, por completa desinserção social", prosseguiu Sampaio. Parecia mesmo que o Presidente se estava a referir à mais estranhas das declarações de Fernando Gomes: "É evidente que há também aqui uma outra questão, que é a questão da legislação sobre a imigração, que estará em debate na próxima semana na A.R. Eu espero que possa vir, a partir daí, a apertar o cerco e a manter uma rede fina de controlo sobre a imigração e de alguma forma ter mais controlo sobre esta situação", tinha afirmado o ministro. Em Hanôver, Sampaio recomendava "uma visão pluricultural" do problema da criminalidade. "Não se deve confundir este ou aquele agente com origens étnicas", disse o Presidente.Em Portugal, horas depois, a Comissão Coordenadora das Juntas de Freguesia de Lisboa reunia-se com Fernando Gomes para lhe comunicar as suas preocupações sobre o problema da insegurança na capital e indicaralgumas possíveis medidas de prevenção. "O problema da insegurança não é uma questão de mais ou menos polícias", afirmou ao PÚBLICO José Godinho, o coordenador da comissão. "É um problema suficientemente importante para "se fazer um Conselho de Ministros sobre o assunto, juntando os responsáveis pelas pastas da Administração Interna, Justiça, Equipamento Social, Trabalho e Solidariedade, Educação e Igualdade, porque é uma questão motivada por diversos factores"O primeiro alarme público dos assaltos às gasolineiras soou quando, em 15 de Fevereiro último, dois empregados de uma bomba de gasolina no centro de Arrifana, Santa Maria da Feira, foram friamente abatidos a tiro de caçadeira por uma parelha de assaltantes encapuçados. Nessa altura, os assaltos a bombas de gasolina multiplicaram-se, de noite e de dia, sobretudo na zona Norte do país. Neste período, foram participados à GNR, à PSP e à PJ um total de 130 roubos, o que corresponde a uma média de mais de dois casos por dia. Os responsáveis policiais atribuem, aliás, estas "ondas" a uma espécie de fenómeno de imitação entre "gangs" de pequena criminalidade à procura de dinheiro fácil. E em Abril Fernando Gomes anunciou um pacote de medidas para tentar diminuir os índices deste tipo de crime. Para além do manual com normas de segurança (idêntico aos elaborados para as farmácias e os bancos), o ministro da Administração Interna anunciou a ligação directa dos postos de abastecimento de combustíveis às forças de segurança, através da distribuição de telemóveis. Uma medida que, estranhamente, ainda não foi concretizada, ao que parece devido a dificuldades técnicas.*com Alexandra Campos, Maria Lopes e Helena Ferro de Gouveia, em Hanôver

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