Filhos de mulheres vítimas de violência adoecem mais

Mário diz que o aspecto das coisas liberta um "apelo à experimentação". Manuela vai para o centro comercial quando está com neura. Os psiquiatras já encontraram a pílula para a doença das compras. Outros preferem acções mais directas - usam máscaras de porcos e imitam os viciados no Dia Sem Compras, que por acaso nos EUA é aquele em que mais se consome.

As mulheres que já foram alvo de algum tipo de violência têm mais dificuldade em arranjar emprego, correm mais riscos de ser despedidas e têm duas vezes mais dificuldades em conseguir promoções. A probabilidade de os seus filhos ficarem doentes chega a ser quase duas vezes superior à observada entre as mulheres que não são vítimas. E quase um terço das que já recorreram aos hospitais, na sequência de uma agressão, ficaram internadas mais de 24 horas.Estas são algumas das conclusões de um estudo que procura avaliar "os custos sociais da violência contra as mulheres" em Portugal, feito a partir de um inquérito realizado no ano passado a 1500 mulheres com 18 ou mais anos de idade. A Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres apresentará os primeiros resultados do trabalho hoje - quando se assinala o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres - durante um seminário sobre mutilação genital feminina, em Lisboa.A equipa de especialistas, coordenada por Manuel Lisboa, começa por traçar a incidência daquilo que as mulheres percepcionam como actos violentos. Resultado: 30 por cento das inquiridas consideraram que já tinham sido vítimas de "pelo menos um acto de violência" física, psicológica, sexual, ou outras; em casa, sobretudo, mas também na rua ou no trabalho. Foi-lhes ainda perguntado se tinham sido agredidas nos 12 meses anteriores à entrevista e uma em cada cinco (21,2 por cento) afirmou ter sofrido actos de violência física ao longo desse período.A violência tem um enorme impacto, a diversos níveis. E nomeadamente nos casos de violência doméstica - a que tem maior peso - os elementos mais afectados na família são os filhos: "Directamente, quando são alvo da agressão do mesmo autor ou assistem à agressão; indirectamente, quando são socializados num clima afectivo perturbado", explicam os especialistas. Veja-se apenas um dos dados recolhidos: 18,7 por cento das mulheres que não foram alvo de violência afirmaram ter tido filhos doentes no último ano; entre as que foram vítimas nos últimos 12 meses, essa percentagem sobe para praticamente o dobro - 35,5 por cento.Mas são vários os aspectos analisados. A avaliação dos custos nas contas do Serviço Nacional de Saúde não foi ainda feita - sê-lo-á em publicação posterior - mas já foram recolhidos alguns dados importantes. Por exemplo: 6,6 por cento de todas as deslocações ao hospital feitas pelas mulheres com 18 ou mais anos foram provocadas por situações de violência. "Trata-se de um valor sem dúvida considerável em termos de custos", afirma-se.Aparentemente, o cenário mais frequente parece ser o da violência que produz lesões ligeiras a moderadas - o que "não altera em nada a gravidade do acto" e causa " tanto mal-estar como aquelas que deixam sequelas mais graves"; note-se, no entanto, que, no universo de mulheres vítimas, apenas 21 por cento referiram já ter ido ao hospital por causa disso. O porquê é uma das interrogações deixadas. Entre as que foram, 28,6 por cento estiveram internadas mais de 24 horas, na sequência das agressões, e cerca de um terço não contaram ao médico o motivo das lesões. Do total das mulheres vítimas, 4,6 por cento ficaram com incapacidades, sendo 1,1 por cento incapacidades parciais. Os restantes casos correspondem, nomeadamente, a incapacidade para trabalhos pesados.Segundo os especialistas, as mulheres vítimas apresentam um "quadro comportamental" que, manifestamente, comprova que a violência, sobretudo a física, "tem custos ao nível da sua saúde psicológica". Começam por ter uma pior percepção da sua saúde geral e vivem um estado emocional bem mais precário. Os "pensamentos de suicídio" aparecem quatro vezes mais entre as vítimas de violência. Dez por cento já atentaram, inclusivamente, contra a vida, o que só aconteceu com 1,1 por cento das "não vítimas".São também as primeiras que mais vezes se sentem cansadas, irritadas, agressivas. E que mais respondem que "nunca" ou "poucas vezes" se sentem com "muita energia". Para além disso, "por razões emocionais, há uma maior probabilidade de, no seu trabalho, as mulheres vítimas fazerem menos do que pretendiam, não virem a desenvolver as suas actividades tão cuidadosamente como habitualmente ou despenderem menos tempo a trabalhar".A actividade profissional é uma das áreas afectadas e, apesar das melhorias, "na sociedade portuguesa, a simples condição de mulher tem sido, só por si, um factor de discriminação". As vítimas têm, no entanto, dificuldades adicionais. Algumas (15,2 por cento) têm essa percepção e afirmam que a violência que sofreram tem ou teve manifestas consequências na sua vida profissional. Neste estudo procurou-se, por exemplo, relacionar a dificuldade de arranjar emprego com a vitimação. E concluiu-se que 14 em cada cem "não vítimas" revelaram ter tido problemas em conseguir trabalho, contra os 23,7 por cento das que foram vítimas nos últimos 12 meses e que afirmaram o mesmo. Depois de inseridas no mercado de trabalho, e quando trabalham por conta de outrem, 3,8 por cento das "não vítimas" afirmaram ter tido dificuldade em ser promovidas; já entre as vítimas, 6,6 por cento responderam da mesma forma. Entre as que estão ou já estiveram inseridas no mercado de trabalho, são também as vítimas as que mais conheceram o desemprego: 17,2 por cento já foram despedidas, o mesmo acontecendo com 8,3 por cento das "não vítimas". Cerca de um quarto das mulheres estabeleceram claramente uma relação de causalidade entre a vitimação e o despedimento.

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