O calcanhar de Madjer, o toque de Juary e o silêncio de 35 mil alemães em Viena

Rewind. O avião Santo António de Lisboa, as marcações feitas com cal, a fotografia do golo de Kögl, a fotografia do calcanhar de Madjer, o monopólio do "Tacinhas", os jornalistas aos pulos

a A Europa delirava com The Joshua Tree, álbum dos U2 nos tops em 22 países. Fez uma pequena pausa para enaltecer o feito do FC Porto, que foi a Viena estragar o baile de gala - smoking e vestido de noite - ao Bayern de Munique por culpa, reza a história, do "toque de calcanhar do ano", como escreveu o Sport, de Zurique, a 27 de Maio de 1987.Rewind. Pedras Rubras, segunda-feira. Antes de embarcar no avião Santo António de Lisboa, a equipa de jornalistas de A Bola anotou a frase de um funcionário do aeroporto: "Na quinta-feira, só ponho o visto de entrada a quem vier completamente rouco." Dois dias antes, a direcção da Agência Lusa, face ao forte contingente de fotógrafos alemães e austríacos destacados para o estádio Ernst Happel, tinha resolvido não enviar nenhum português. Guilherme Venâncio (actual editor fotográfico da revista Sábado) foi por conta própria. "Com o pouco dinheiro que tinha, comprei a passagem, apesar de ninguém pensar em ganhar", conta ao PÚBLICO. Registou a conferência do FC Porto no Hotel City Club, em Vosendorf, a 15 quilómetros de Viena, onde se escreveu sobre as lesões de Gomes, de Jaime Pacheco e de Lima Pereira. No dia seguinte, a UEFA atribui-lhe a baliza de Mlynarczyk na primeira parte que seria a de Pfaff na segunda. Teve tanta sorte ele como os milhares de adeptos portugueses que ficaram com o mesmo topo. Assistiram aos três golos. Guilherme Venâncio foi o único a captar o de Kögl. "Pediram-ma e a foto correu mundo."
E os alemães nem piam
O FC Porto carregou (ao todo, fez 16 remates, o dobro do Bayern). "Água mole em pedra dura, tanto bate, tanto bate... desta vez não fura", dizia Ribeiro Cristóvão, que partilhou a narração do jogo para a RTP com Miguel Prates. Madjer marcou 15 segundos depois. Pereira de Sousa, então fotógrafo do Jornal de Notícias, teve o exclusivo do momento. "Vê-se no lado esquerdo da televisão", recorda Miguel Prates, agora editor da SportTV. Foi a sua estreia internacional e o jogo "mais entusiasmante da carreira". Pouco depois, voltaria a gritar golo - "E agora os 35 mil alemães aqui presentes nem piam". O golo de Juary deixou três quartos do estádio em silêncio ("Dois murros no estômago", escreveu A Bola). E o outro quarto eufórico.
Miguel Prates recorda um "ambiente genuíno, uma verdadeira peça feita à mão", lamentando que "a melhor jogada" (Futre em estilo Maradona) não tenha resultado em golo. Com o apito final, abraçou-se a Ribeiro Cristóvão aos pulos. "Não deve acontecer, profissionalmente falando, mas não somos máquinas", diz hoje. Ribeiro Cristóvão, agora deputado, confirma o excesso, juntando um outro. "Desci rapidamente ao balneário e encontrei o Artur Jorge comovido. Sentamo-nos à mesa a conversar e, com a câmara ligada, levantei-me, apertei-lhe a mão e disse-lhe: "Eu, jornalista, tenho muito orgulho em cumprimentar o primeiro treinador português campeão europeu." Foi uma transmissão directa - uma avaria no emissor do Muro obrigou a transmissão a ser difundida, no Norte, pelo Canal 2.
No relvado, Guilherme Venâncio disparou 15 rolos. Em vão, chegou a tentar descolar João Pinto da Taça dos Campeões Europeus. "Não tenho nenhuma fotografia que não tenha o João Pinto", recupera o fotógrafo que também aproveitou a boleia ao balneário para registar os protagonistas com a Taça. "Há 20 anos que nenhuma equipa conseguia virar um resultado", lembrava a Gazzetta dello Sport. "Futre e Madjer: demasiado para o Bayern", titulava no dia seguinte o Sport. "Madjer: o maior", escrevia o Der Standard, de Viena. O L"Équipe falava de "FC Porto, a honra dos latinos", El Mundo Deportivo destacou "A marca de Futre". Ainda hoje o tema With or Without You é imagem de marca dos U2.

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