O artista-navegador Artur Barrio expõe na "piscina" do Museu de Serralves

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Artur Barrio: "À espera de ver sangue? Não gosto de me repetir" ADRIANO MIRANDA

Navegações... Divagações marca o regresso do artista ao Museu de Serralves, mais de uma década depois

Quarta-feira, 11 de Abril, 17h. Artur Barrio terminava a sua intervenção na sala principal do Museu de Serralves, que iria abrir ao público dois dias depois, sob o título Navegações... Divagações... Por entre escolhos e baixios (até 24 de Junho). O próprio artista tinha registado essa hora numa tabela na parede, onde todos os dias, desde 27 de Março, tinha assinalado o seu calendário de trabalho - várias horas de divagação sobre temas e com os materiais que lhe são familiares: a caneta, fotografias, vídeos, fios eléctricos, novelos de corda, pedras, papéis e outros objectos. Mas também reflexões sobre a poluição nos mares, o equilíbrio instável do planeta e "a vida que teima e persiste... apesar do descaso" (uma das frases escritas na parede).

Contrariando a expectativa com que nos dirigimos a Serralves, Barrio - normalmente avesso à comunicação social - aceitou falar ao PÚBLICO sobre esta sua segunda experiência no museu, depois de há 12 anos ter participado na exposição 3 Histórias do Brasil: Artur Barrio, António Manuel, Lygia Pape. E começou por falar da sala grande e da janela de Siza Vieira. Viu-a como prenda armadilhada oferecida pelo director de Serralves. "O João [Fernandes] deu-me esta sala para me testar", diz, gracejando.

Cézanne lá fora

João Fernandes, que está ao lado, recorda que, em 2000, Barrio fez a sua exposição em cinco pequenas salas. "Gostei tanto do projecto que ele fez nesse pequeno espaço que pô-lo a intervir na sala central do museu era um desafio."

O artista explica que esta sala - conhecida como "a piscina" - se torna difícil "pela dimensão e pela angulação". Refere também o perigo que é um artista confrontar-se com uma janela assim tão aberta para a natureza. "Se temos o Cézanne lá fora, por que é que havemos de querer entrar no museu, não é?" Resolveu a situação colocando sobre a janela vários manípulos-ventosas. "É para puxarmos até rebentar, e deixarmos que a natureza entre." Em contrapartida, apontou à janela uma pedra suspensa por um fio. Terá a expectativa de que alguém o solte? "Esta pedra não é um paralelepípedo como os do Maio de 68, é mais brutal. Quem quiser é só soltar o fio..."

Esta é a conhecida veia provocadora do artista que nasceu no Porto, em 1945 - "sou de Santo Ildefonso", diz, explicando não ter nunca pedido a dupla nacionalidade -, e que aos dez anos acompanhou a família rumo ao Brasil. Cursou Belas-Artes no Rio de Janeiro, e no final da década de 60 começou a denunciar o sistema com as suas intervenções iconoclastas: em 1970 levou ao MoMA de Nova Iorque Informação, uma exposição sobre a natureza sanguinária da ditadura que então dominava o Brasil, mostrando imagens do pânico da população de Belo Horizonte quando confrontada com os lençóis ensanguentados que ele tinha furtivamente despejado na rua, de noite.

O sangue e a carne crua, matérias que durante muitos anos marcaram a sua obra, não entram, desta vez, em Serralves. "Você vinha à espera de ver sangue, não? Eu não gosto de me repetir, hoje tenho outro olhar. Quando compreendi que me estava formalizando - e isso aconteceu na exposição no Museu Tamayo, no México [2008] -, comecei a criar uma deriva", diz o artista, cujas intervenções nas bienais de S. Paulo (2010) e de Veneza (2011) seguiram já um caminho diferente.

Significará isso que Artur Barrio se deixou institucionalizar, o que lhe permitiu ser convidado para representações oficiais (Veneza) e lhe deu distinções como o Prémio Velasquez (Espanha, 2011)? "Se fosse há alguns anos, talvez não aceitasse os prémios, talvez não fosse a Veneza. A questão dos prémios, há esse lado que arranha, mas a gente também não sai da vida sem cicatrizes e sem rugas, quando chega a uma certa idade. A única maneira de escapar a isso é uma pessoa morrer cedo [risos], como o Jimi Hendrix e a Janis Joplin. Mas eu tenho 67 anos, o meu trabalho está aí, continua vivo, apesar de tudo."

Artur Barrio sempre assumiu o seu trabalho como intervenção política. E continua a fazê-lo, mesmo que a radicalização das acções de outros tempos pareça agora mais amaciada. João Fernandes comenta, de resto, esta mudança, visível em Navegações... Divagações, intervenção que vem concretizar agora o projecto com uma década de realização de uma exposição-viagem Rio de Janeiro-Porto, que o artista-navegador adiou após um acidente no seu veleiro. "É curioso ver o artista resistir ao espectáculo que querem fazer de si", nota o director de Serralves.

"Pão e circo, eu me recuso a entrar nesse jogo", acrescenta Barrio, assumindo, no entanto, continuar a fazer arte de intervenção. "Se continuo a exercer o meu trabalho criativo contrário à estagnação, isso já é um acto político."

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