Hunter S. Thompson Drogas, álcool e depressão na morte do escritor da contracultura

O também jornalista
norte-americano inaugurou um estilo de reportagem que desprezava os poderes e as regras, esboroando as fronteiras entre a realidade e a ficção

O escritor e jornalista norte-americano Hunter S. Thompson, ligado nos anos 60 e 70 à criação do "novo jornalismo", suicidou-se na noite de domingo na sua quinta fortificada no Colorado, EUA. Thompson, de 67 anos, postulava que o autor deve tornar-se parte integrante da história que conta - terminou a sua através do disparo contra a cabeça de uma das muitas armas que possuía.O seu lugar na corrente da contracultura passou por artigos na revista "Rolling Stone" e livros em que a liberdade de tomar drogas e álcool colidia com a autoridade e as normas instituídas de fazer jornalismo.
Hunter Stockton Thompson nasceu em 1937 em Louisville, Kentucky, no seio de uma família de classe média. Falhou a festa de formatura do liceu por estar preso devido a roubo, e alistou-se durante dois anos na Força Aérea, onde tomou o primeiro contacto com o jornalismo, editando uma revista de desporto. Após uma temporada como correspondente do "New Herald Tribune" em Porto Rico, entrou para a secção Nacional da "Rolling Stone", onde iniciou o seu litígio com a sociedade conservadora.
Torna-se conhecido com "Hell"s Angels" - primeiro série de reportagens e depois livro - em que relata os seus tempos a acompanhar a cultura marginal californiana, em particular o "gang" de motoqueiros de Los Angeles. "Fear and Loathing in Las Vegas", adaptado de dois artigos escritos para a "Rolling Stone", é posto em livro em 1971. Uma divertida e delirante semana de LSD e álcool no deserto e na cidade, é uma pouco velada exposição do próprio Thompson como centro da história, sob o pseudónimo de Raoul Duke. Em Portugal, apenas tem editado "Diário a Rum" (Teorema), tradução de "The Rum Diary", pequena novela originalmente escrita em 1959.
Três dos seus livros foram adaptados ao cinema, dois com o seu amigo Johnny Depp no protagonista. Em "The Rum Diary" (2004), Depp é Paul Kemp, um jornalista trintão perdido em Porto Rico entre pequenos empregos, droga e álcool. Em "Fear and Loathing in Las Vegas", uma grande produção de 1998 dirigida pelo ex-Monty Python Terry Gilliam, é o jornalista Raoul Duke em viagem para Las Vegas.
A outra aproximação ao cinema aconteceu em 1980, quando Bill Murray, então estrela do programa de humor Saturday Night Live, fez o papel do jornalista em "Where the Buffalo Roam", que tenta fazer a cobertura da Super Bowl (final do campeonato de futebol americano) e da campanha presidencial de 1972, numa adaptação da "sequela" "Fear and Loathing: On the Campaign Trail "72".

Xerifes e banda desenhadaEm 1970 concorreu ao posto de xerife do condado de Pitkin, no Colorado. Sob o lema "Freak Power", perdeu por apenas 500 votos. Dado que o xerife republicano contra o qual concorria tinha cabelo cortado à tropa, Thompson rapou o seu, para poder referir-se ao seu oponente como "o cabeludo". A sua plataforma previa, em caso de vitória: renomear a cidade de Aspen como Fat City (Cidade Gorda), demolir a Baixa e transformá-la numa zona de ciclovias, e descriminalizar a posse e venda de drogas.
Grande apaixonado pela música, compôs vários temas, incluindo "You"re a whole different person when you"re scared", com o seu amigo e falecido Warren Zevon, e editou em 1999 "Where Were You when the Fun Stopped", um álbum de "spoken word" com versões de canções como "Walk on the wild side" ou "American pie". Mas manteve sempre um desprezo pela indústria musical: é "uma trincheira cruel e baixa, um longo "hall" onde ladrões e chulos andam à solta e homens bons jazem como cães. E tem ainda um lado negativo".
E nem a idade o amansou. Em 1994, aquando da morte do ex-Presidente Richard Nixon (com quem conseguiu uma entrevista na condição de só falar de futebol americano), escreveu como obituário: "[Era] Um mentiroso, um desistente e um sacana. Um vigarista barato e um implacável criminoso de guerra."
Nos últimos anos tornara-se um quase recluso. Com as suas armas (era orgulhoso membro da National Riffle Association), fechou-se em Woody Creek, no Oeste do Colorado, e lançou-se no que chamara, após o 11 de Setembro de 2001, "a depressão nervosa à escala nacional", lamentando os efeitos que os atentados teriam causado, nomeadamente nos atropelos aos direitos cívicos por parte do governo federal norte-americano. E escrevia comentários sobre os jogos dos "play-off" de basquetebol da NBA no "site" da ESPN.
Foi a inspiração para a personagem "Uncle Duke", das tiras de banda desenhada de grande difusão "Doonesbury", de Garry Trudeau. "Nunca encontrei Trudeau, mas, se alguma vez isso acontecer, deito-lhe fogo", foi a reacção de Thompson, o homem que tinha como lema "When the going gets weird, the weird turns pro", que pode ser muito livremente traduzido como: "Quando a situação fica estranha, os estranhos tomam conta da situação."

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