"Guernica é um resumo da arte de vanguarda"

No quadro, os heróis do massacre são os que não combatem, o que foi uma transformação revolucionária na pintura, diz um professor de arte

"A importância de Guernica, do ponto de vista artístico, é a de Pablo Picasso ter feito um resumo do que tinha sido a arte de vanguarda", diz, ao PÚBLICO, Francisco Calvo-Serraller, professor de História de Arte da Universidade Complutense de Madrid e crítico de arte. Calvo-Serraller assinala nesta obra a presença de elementos do cubismo e do surrealismo e a utilização do preto e branco. "É uma obra formal, uma das grandes de Picasso e uma das maiores do século XX", prossegue.
Mas para este professor universitário, a obra não se destaca apenas pela pintura. "Picasso fez vários gestos que do ponto de vista moral são importantes", diz. Por exemplo: "Quis que o bombardeamento de Gernika-Lumo [nome da vila em euskerra, a língua do País Basco], o primeiro da história deliberado contra a população civil, não ficasse apenas como testemunho do ocorrido nesse lugar, e converteu-o em testemunho universal contra a barbárie". Um objectivo conseguido. "Toda a gente, seja de onde for, entende o quadro."
Em Paris, aquando da ocupação alemã da capital francesa durante a Segunda Guerra Mundial, o estúdio do pintor espanhol foi visitado por oficiais do exército de Adolfo Hitler. "Foi o próprio Picasso que o contou", recorda Calvo-Serraller. "Perante o quadro, um dos militares exclamou que horror e perguntou se o autor era ele, ao que Picasso respondeu que não, que tinham sido eles." Uma recordação das quatro horas de bombardeamento, em 26 de Abril de 1937 durante a Guerra Civil de Espanha, a que a vila foi submetida pela aviação alemã da Legião Condor.
Francisco Calvo-Serraller traça ainda uma comparação entre o quadro Fuzilamentos de 3 de Maio, de Francisco Goya, que está no Museu do Prado, e Guernica, de Picasso.
No quadro de Goya, que retrata a repressão à sublevação da população de Madrid contra a ocupação da cidade pelo exército francês de Napoleão, "os vencidos convertem-se em vencedores". E que diferenças se podem encontrar entre ambos: "No quadro de Goya os fuzilados recebem a luz, e Picasso dá mais um passo. Em Guernica há mulheres, crianças e animais, os heróis do massacre são eles, os que não combatem, o que foi uma transformação revolucionária no mundo da pintura."
"A concepção de vencedor e vencido é sinónimo da luta do bem contra o mal", destaca o professor, falando ainda de representações. "Mas uma guerra civil é uma tragédia, é uma luta na família, é o cúmulo da irracionalidade, não é a luta do bem contra o mal, pois o mal está em todos os lugares", sublinha Calvo-Serraller. Nuno Ribeiro, Madrid

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