Gritos e deformações no Museu de Serralves

O "noise" (ruído) vai estar em destaque no programa de música e dança paralelo à exposição "Caged-Uncaged", de Francis Bacon, patente no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, no Porto. Intitulado "Deformações e Distorções num Pulmão Vermelho Vivo", o ciclo, iniciado já com o espectáculo "Disfigure Study", de Meg Stuart, prossegue hoje com o concerto "Oyshoss", pela francesa Manon Anne Gilllis, uma "performer" para quem "a manipulação sonora assume um carácter simultaneamente 'sensual e cibernético'", como notam os organizadores no desdobrável da iniciativa.No texto "Noise e the Noisian", G. X. Juptter-Larsen nota ser a partir da miscigenação sensual entre corpo e máquina que Gillis cria o seu "noise". A tese é reforçada através do exemplo de uma "performance", realizada em 1995, na qual a artista francesa retirava incessantemente, debaixo do seu vestido, fitas de cassetes áudio, enquanto se escutava, como pano de fundo, sons "arrancados" às cabeças de um gravador.Na apresentação do seu trabalho, Gillis escreve: "Suite para sons a brotar e cordão umbilical". E acrescenta: "Um de cada vez martelando num fandango uterino, desenhando no espaço, acariciando com um CD receptor de ondas e reflector de imagens, translúcidas à linguagem dos signos (...), os meus microfones estão à escuta". Por seu lado, C. Broqua considera que a música desta autora de seis discos, "variações sobre a alvorada da vida e sobre os seus fósseis", é "rara e preciosa", sendo as "performances" marcadas pela palavra desejo, "tão frágil em potência". O programa de música prossegue, no dia 8 de Março, com a gritaria de Yamatsuka Eye, vocalista, DJ e "designer" que já esteve no nosso país a acompanhar John Zorn - e o concerto do Porto, realizado no Cinema do Terço, constituiu uma memorável exibição de "feed-backs", berros e guinchos. Uma energia animal igualmente visível nos projectos de Eye, como os Hanatarash e, sobretudo, os Boredoms, uma banda inclassificável onde pontua a anarquia "punk". Recorde-se ainda que o intérprete japonês tem igualmente colaborado com Ween, Otomo Yoshihide e Thurston Moore, dos Sonic Youth. Contudo, o concerto mais esperado, a 12 de Abril, é o de outro japonês, Merzbow, pseudónimo de Masami Akita, considerado como a grande figura do "noise" e que recentemente editou, na australiana Extreme, uma caixa com 50 CD, a "Merzbox". Usando um processo similar às colagens do dadaísta alemão Kurt Schwitters, autor da designação "merz", Merzbow deforma o som de uma forma avassaladora - como curiosidade, refira-se que em alguns dos seus espectáculos surge em palco a dançarina de butô Bara. Merzbow editou 13 livros, com temáticas que vão da contracultura às práticas sado-masoquistas, passando pela arquitectura japonesa das décadas de 20 e 30. A sua atracção pelo "noise" deve-se a influências tão diferentes como Jimi Hendrix, Robert Fripp, os Soft Machine, a música electro-acústica de Stockhausen ou o "free jazz". A sua proximidade às artes visuais levou-o a participar em inúmeras exposições. Em entrevista conduzida por Chad Hensley, o japonês afirma mesmo querer criar silêncio com o seu ruído: "Talvez seja uma forma fascista de usar o som".O programa "Deformações e Distorções num Pulmão Vermelho Vivo" inclui ainda o concerto com animação ao vivo "Homage to Francis Bacon", por Pierre Hébert/Bob Ostertag e Theo Bleckmann (9 de Março), um recital de Philip Jeck (29 de Março) e as coreografias "Good Boy", de Alain Buffard (1 de Março), "Self Unfinished", de Xavier Le Roy (29 de Março) e uma nova criação de Francisco Camacho, com estreia marcada para 10 de Abril.Ciclo "Deformações e Distorções num Pulmão Vermelho Vivo"Concerto "Oyshoss", por Manon Anne GillisPORTO Auditório de Serralves. Tel.: 808 200 543. Às 22h. Bilhetes a 7,50 euros

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