Filmes de Luz

"Estudo da Luz na Ria Formosa", de João Botelho, centra-se numa espécie de harmonia entre os homens, a terra e o mar

Exibem-se hoje os primeiros filmes da competição nacional no DocLisboa. O arranque é com Estudo da Luz na Ria Formosa (às 18h30), um dos filmes sobre que recai mais expectativa, ou não viesse assinado por João Botelho. Estudo da Luz abre com uma sequência introdutória, onde Suzana Borges, como se fosse um diálogo com o filho que a acompanha, recita passagens de uma carta de Séneca a um jovem discípulo. "Ruínas romanas, ideias gregas", chama-se a introdução, onde "ideias gregas" se calhar é para ler com ironia (o cenário, as ruínas de Milreu, é romano, mas Séneca não era grego...). Espécie de "preparação para a vida", que aparece (a "vida", o trabalho) na segunda parte; aqui sim, a Ria Formosa, mas (em termos de matéria humana) essencialmente a pesca e os pescadores. Belo plano de abertura: um longo travelling à Lumière (é um estudo da luz, afinal), ou seja de barco, ao longo da praia - apanhadores de amêijoas em primeiro plano, e ao fundo casinhas modernas, a chamada "arquitectura de litoral". O velho e o novo, o que muda e o que não muda, num filme que se parece centrar acima de tudo numa espécie de harmonia entre os homens e as coisas, a terra e o mar.
De luz fala também Fiat Lux (21h00), pequeno filme de Luis Alves de Matos, sobre uma povoação perto de Tondela que só em 2003 teve direito a instalação de luz eléctrica. Sem qualquer comentário, um conjunto de planos longos mostra aspectos do quotidiano "pré-luz eléctrica", com fogueiras e candeeiros Petromax; nos planos finais a luz já se fez - e as mesmas pessoas que víramos antes voltamos a encontrá-las, agora reunidas em frente da... televisão. Um retrato irónico e sibilino do Portugal rural (ou de Portugal, ponto).
Na mesma sessão das 21h00 exibe-se Retrato, co-produção luso-espanola assinada por Carlos Ruiz Carmona. Histórias de família: através dos depoimentos (sempre em off) de um casal (os pais do realizador) surge algo que é como a história de um casamento, e por sua vez através dela um eco do que foi (do que era, do que mudou ou não) a sociedade espanhola das últimas décadas. O som e as palavras comandam "Retrato", deixando para a imagem (a preto e branco, planos de "composição" com o homem e a mulher, paisagens, fotografias antigas) a função de comentário.

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