Como se fosse a primeira vez

Foto
Pulp em registo Paulo pimenta

A primeira grande noite foi quase toda dos Pulp. Mas houve a surpresa Warpaint

"Antes estava a olhar para o futuro, agora estou a olhar para trás." Do alto do palco de Paredes de Coura, Jarvis Cocker disse, preto no branco, ao que vinha (ou pelo menos foi assim que o interpretámos). O futuro pode esperar, os Pulp regressaram de um sono profundo para um exercício declaradamente retro e umas duas dezenas de milhares de pessoas (os números oficiais chegam no fim) quiseram vê-los a protagonizar o momento-chave da primeira grande noite do festival.

Quinta-feira estava ganha à partida, já que nem as propostas do dia podiam ser concorrência a um tipo com ar de inadaptado, barba rarefeita, óculos gigantes, algures entre a Sorbonne e um pub (falamos, claro, de Jarvis, o vocalista dos Pulp), que ajudou a definir essa coisa a que se chamou britpop. Coisa que não quer dizer grande coisa, de tão diversa, como já sabíamos e como os regressados Pulp fizeram questão de demonstrar num concerto em registo best of.

Do you remember the first time, de His "n" Hers (1994), com honras de abertura: tudo no sítio, as guitarras capazes de ecoar pelo declive, um Jarvis revigorado no refrão, aquela convicção pop, capaz de fazer sentido num estádio, que os putos indie modernos parecem ter dispensado, por vergonha, falta de jeito ou opção respeitável. Foram a 1992 buscar O. U. (Gone, Gone) ("Já não tocamos esta há muito tempo"), single pré-fama global que soou a redescoberta, e a 1993 tirar o Razzmatazz. This Is Hardcore, a faixa-título do penúltimo álbum antes do hiato, soou opulenta e escura, como se quer, com peso orquestral roubado a Bolero on the Moon Rocks da Peter Thomas Sound Orchestra. Metida no alinhamento depois da maravilha pop de guitarras saltitantes que é Babies e da maravilha pop-exótica Acrylic Afternoons, mostrou os vários lados dos Pulp.

Se as canções são óptimas e se a reprodução foi imaculada, não se percebe a relativa apatia do público. Sorted For E"s & Wizz não é sobre os espectadores (Jarvis canta "Oh is this the way they say the future"s meant to feel? Or just 20.000 people standing in a field"), mas podia ser. Foi preciso Disco 2000 e, sobretudo, Common People, no final, sem direito a encore, para que Coura se transcendesse.

Antes dos Pulp, os americanos Blonde Redhead alternaram entre o rock de guitarras de outros tempos e as canções mais tranquilas e dependentes dos teclados do novo álbum, Penny Sparkle. Ganharam quando se ficaram pelas primeiras, como 23, dulcíssimo rebuçado de guitarras, aconchego pop à superfície, remoinho eléctrico escondido, ou Misery Is a Butterfly, com a voz de cama de Kazu Makino a fazer das suas.

Os Blonde Redhead reforçaram a fé dos convertidos, mas a multidão preferiu a homilia das compatriotas Warpaint. São quatro raparigas, com os instrumentos básicos do rock (uma ou duas guitarras, um baixo e uma bateria), mas capazes de fazer o seu rock mínimo, quase em esqueleto, fugir ao óbvio. Canções como Undertow (que arrancou palmas) posicionam-se ambiguamente entre o nervo de algum rock mais aventureiro e a doçura que é ter duas vozes femininas, às vezes três, em harmonizações. Prémio surpresa da noite.

Com uma dose simpática de hype na bagagem, George Lewis Jr. Lewis, nome civil de Twin Shadow, não teve sorte ou calo para transpor para palco as canções de Forget, o seu único álbum. Ganha pontos pela sua insuperável pinta (todo de preto, bonito chapéu), mas muitos detalhes (onde andaram as guitarras gingonas de Slow, a lembrar Johnny Marr?) perderam-se na amálgama de tendências a reconfigurar coisas dos anos 80.

Houve ainda as guitarras carcomidas pelo fuzz dos Crystal Slilts, o indie-tropical-ligeiro dos Here We Go Magic, o drama dos Esben and the Witch. O festival acaba hoje com os estrepitantes Death From Above 1979 e No Age, os veteranos Mogwai e Kurt Vile, uma das melhores coisas que aconteceu às canções nos últimos tempos.

Sugerir correcção