Clã & Sérgio Godinho: O álbum ao vivo

Passados quase três anos, a programação da Expo 98 começa a dar resultados menos efémeros e que não se esgotam nos escassos minutos que dura um espectáculo. A rubrica "Afinidades", que então integrava a programação musical do mega-evento, propunha parcerias entre artistas de proveniências diversas e proporcionou encontros inéditos entre músicos como Né Ladeiras e Chico César - cujo álbum "Da Minha Voz" acaba de chegar às lojas - ou entre os Clã e Sérgio Godinho. A parceria do grupo portuense com o autor de "A Noite Passada" deu origem a vários espectáculos, já fora do âmbito da exposição mundial, tendo o registo dos concertos no Teatro Rivoli, no Porto, revertido para um álbum ao vivo que chega hoje aos escaparates. Uma simbiose que soube ultrapassar o "fosso geracional" que poderia existir entre a última revelação da música pop urbana feita em Portugal e um cantautor com uma carreira já longa de trinta anos.Apesar do desfasamento de idades entre Sérgio Godinho e os Clã, para Manuela Azevedo, vocalista do grupo portuense, foi a admiração nutrida pela obra de Godinho que deu origem a esse convite, à partida assente no bom relacionamento estético que daí podia surgir: "Tudo aquilo que conhecemos do Sérgio, como o facto de ser uma pessoa aberta a este tipo de aventuras e de contactos, levou-nos a crer que poderíamos contar com a sua disponibilidade. Também prevíamos que a hipótese de pegar no reportório dele e fazer arranjos diferentes, à maneira dos Clã, seria bem recebida, pois ele tem a capacidade de se deixar contagiar por sons e experiências de pessoas vindas de meios e gerações diferentes."O álbum "Afinidades" foi gravado ao vivo no Teatro Rivoli, já lá vão quase dois anos, entre 8 e 10 de Janeiro de 1999. O reportório escolhido vagueia essencialmente entre canções da pena de Sérgio Godinho e dos Clã, como seria de esperar, mais ainda dá espaço a um tema de Arnaldo Antunes e Gilberto Gil ("As coisas") e outro de Fernando Solanas e Astor Piazzola ("Vuelvo al sur"). No entanto, mais do que uma revisitação de temas dos Clã e de Sérgio Godinho, o disco deixa perceber a entrega de uns e do outro nos espectáculos em causa, acentuando a tal "química" que surgiu do facto de trabalharem em conjunto. Para Sérgio Godinho, habituado a trabalhar com músicos mais novos - a sua actual banda é, na sua maioria, formada por elementos que faziam parte dos Despe & Siga -, o convite de Manuela Azevedo foi também recebido de braços abertos: "Achei uma excelente ideia porque isso me permitiu entrar numa aventura que nos obrigava a fazer coisas diferentes. Eles começaram a fazer um trabalho de pesquisa do meu reportório e, quando me enviaram as primeiras maquetas, confirmei as minhas expectativas e fiquei muito agradavelmente surpreendido pela maneira como pegaram no corpo das canções e o transformaram."Os temas que fazem parte do álbum "Afinidades" são aqueles que melhor ficavam "na pele dos Clã", e por isso foram evitadas canções de teor mais político ou com uma sonoridade mais popular, "esta não foi uma escolha filosófica porque, de maneira um pouco egoísta, escolhemos as canções que se parecessem mais connosco", confessa Hélder Gonçalves, baixista dos Clã, ao justificar a opção por temas como "O elixir da eterna juventude" ou "Espalhem a notícia" em detrimento de outros que chegaram a ser abordados mas que foram deixados de parte, como "Alice no país dos matraquilhos" ou "Horas extraordinárias".As diferenças, geracionais ou outras, foram sendo esbatidas, até "Afinidades" se tornar num disco que tem tanto de Sérgio Godinho como dos Clã. Quer Sérgio Godinho quer Manuela Azevedo são unânimes em considerar que "o problema do fosso geracional nunca se colocou", ainda que os Clã tenham editado até hoje três álbuns de originais enquanto Sérgio Godinho comemora por estes dias o 30º aniversário da sua carreira. "Nunca sentimos esse peso. Nem aquele lado reverencial, de estarmos a trabalhar as músicas do Sérgio Godinho, um compositor tão importante", começa por dizer Manuela Azevedo, no que é acompanhada por Sérgio Godinho, que assume o facto de "a partir desta experiência ter-se desenvolvido uma amizade entre todos nós. Algo que foi crescendo e acontecendo naturalmente e que mais tarde se reflectiu na forma como estávamos em palco, com toda aquela energia."Por seu lado, o público que presenciou os concertos dos Clã com Sérgio Godinho, que vieram a extravasar as fronteiras do Parque das Nações e a percorrer todo o país, também não sentiu qualquer distanciamento entre uns e outros. "Era engraçado encontrar esses dois públicos, que não são de gerações diferente, até porque o Sérgio tem um público transgeracional mas que, ou não nos conhecia a nós, ou não conhecia tão bem a obra do Sérgio Godinho. Foi também por isso que quisémos editar este disco, porque era uma pena não haver mais gente a descobrir esta experiência que, de outra forma, ficaria como uma curiosidade ou uma raridade" conta Hélder Gonçalves, apesar de não estarem previstos mais espectáculos que juntem no mesmo palco os Clã e Sérgio Godinho. O último espectáculo baseado em "Afinidades" aconteceu há mais de um ano e meio e, por agora, não há perspectiva de serem agendados outros concertos baseados neste mesmo conceito.

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