Testosterona ao alto

Tal como homens frente ao ecrã da televisão, a assistir a um jogo de futebol decisivo, os níveis de testosterona dos machos de tilápias disparam se ficarem na posição de espectadores de uma luta entre outros machos. Isto como preparação para futuras situações de competição, defende uma equipa de investigadores portugueses na "Nature".

O gabinete de Rui Oliveira, da Unidade de Investigação em Eco-Etologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), em Lisboa, está cheio de peixes. São quadros, pequeninas esculturas e muitos livros que se concentram em pouco espaço. E, quando passa ao laboratório, o biólogo que estuda o comportamento animal continua rodeado de peixes: tilápias, descendentes de peixes trazidos da baía de Maputo, em Moçambique, há cerca de dez anos. Foi com estes peixes que a equipa do investigador português chegou à conclusão que machos que assistam a uma luta ou competição entre outros machos vêem os seus níveis de testosterona aumentar, numa experiência relata hoje na revista "Nature". "A ideia clássica é que as hormonas têm um efeito de modulação dos comportamentos sociais, agindo como reguladoras do comportamento", explica Rui Oliveira. No caso da testosterona, uma hormona esteróide masculina (um androgénio), quanto maiores forem os seus níveis, mais agressivo é o indivíduo. "Mas há uma nova ideia, que é a de que o ambiente social e o estatuto social podem aumentar os níveis de testosterona", adianta. "Tentar perceber a influência do meio no sistema endócrino" é, portanto, o objectivo de Rui Oliveira e dos seus colegas - Luís Carneiro, também do ISPA, Marco Lopes, do Laboratório de Neurociências Cognitivas em Primatas da Universidade de Harvard, nos EUA, e Adelino Canário, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve. O que pretenderam testar, na experiência que deu origem à publicação deste artigo na "Nature", era a "hipótese do desafio", formulada por John Wingfield, um investigador norte-americano de Seattle.A "hipótese do desafio" propõe que cada indivíduo produz androgénios em resposta às interacções com outros membros do grupo. O que a equipa portuguesa quis fazer foi verificar, com as tilápias ("Oreochromis mossambicus"), se isto também se verificava quando um grupo de machos assistia, sem intervir de forma nenhuma, a uma disputa entre outros machos. Algo como pôr um grupo de homens a ver na televisão um desafio de futebol ou um jogo de boxe, se transpusermos a experiência para a espécie humana. E foi exactamente isso que aconteceu com as tilápias: os níveis de testosterona dos machos que assistiam à disputa subiram, depois de 30 minutos em que o único estímulo era visual, o olhar para luta - sem estarem no mesmo aquário, sem sentirem cheiros, sem sentirem vibrações. E, aliás, a testosterona dos espectadores manteve-se elevada durante três horas.Estes resultados levam a equipa portuguesa a formular a hipótese de que os androgénios actuam, provavelmente, como reguladores de mecanismos cognitivos essenciais à comunicação entre os animais. Aliás, o aumento dos níveis de androgénios parece melhorar as capacidades cognitivas e de coordenação sensório-motora dos animais - "em preparação para uma possível luta futura", diz o investigador. Se isto funciona de forma semelhante com fêmeas - que, embora tendo muito menos testosterona, também possuem esta hormona - é algo que está ainda muito mal estudado, sublinha Rui Oliveira. Mas é possível formular uma hipótese: "A testosterona pode ser uma hormona que prepara o organismo para enfrentar situações de competição, tal como os corticoesteróides preparam o corpo para situações de 'stress'", explica. Aliás, as tilápias têm uma característica interessante, que ilustra a diferença entre estes dois mecanismos: o macho dominante dentro do aquário é negro, enquanto as fêmeas e outros machos são esbranquiçados, quase a atirar para o transparente. Mas, se forem colocados perante uma situação de "stress" - que pode ser a objectiva ou o "flash" de uma câmara fotográfica -, os machos que usam o negro para se diferenciar começam a empalidecer a olhos vistos, de forma a tornarem-se mais parecidos com o resto dos peixes e a darem o menos possível nas vistas para um possível predador.

Sugerir correcção