Cancro do Ovário: os desafios do diagnóstico tardio e recidivas

No Dia Internacional da Saúde da Mulher, hoje, 28 de Maio, o retrato da doença ginecológica com maior mortalidade em Portugal.

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Cerca de 560 mulheres, em Portugal, são diagnosticadas todos os anos com cancro do ovário, um diagnóstico que, na maioria das vezes, ocorre em fases tardias desta que é a neoplasia ginecológica com a maior letalidade – mais de 400 mortes anuais, no país.

Uma doença silenciosa

Em mais de 75% dos casos, o cancro do ovário é diagnosticado em estadios mais avançados. É a médica oncologista Cristiana Marques que traça este quadro, explicando os motivos para o diagnóstico tardio: “Ao contrário do que acontece, por exemplo, no cancro da mama, em que há um nódulo, que a própria mulher consegue detectar, o ovário está escondido na cavidade pélvica e, muitas vezes, quando surgem os sintomas já o tumor se disseminou para o peritoneu, que é a membrana que reveste a cavidade abdominal.”

Assim se explica que este cancro seja descrito como uma doença silenciosa. Quase sempre é em contexto de urgência que as mulheres são investigadas, com quadros que envolvem, por exemplo, distensão abdominal persistente ou sintomas do foro urinário. A especialista nota, a propósito, que o facto de os ovários estarem muito próximos do aparelho urinário e do aparelho gastrointestinal faz com que os sintomas possam ser interpretados como sendo, por exemplo, infecções urinárias. “São muito inespecíficos”, afirma, adiantando que, além disso, é uma doença pouco comum, pelo que nem sempre é a primeira a ser considerada no diagnóstico médico. Deixa, por isso, uma mensagem: “Sempre que estes sintomas persistem, tem de haver uma avaliação pormenorizada, mais aprofundada, para excluir esta entidade.” Isto porque um diagnóstico tardio vai impactar o prognóstico: “Quanto mais precocemente for identificada a neoplasia, maior o sucesso do tratamento”, resume.

Outro factor que dificulta o diagnóstico é o facto de ser uma doença agressiva, que cresce rapidamente. Significa isto que a mulher pode ter uma consulta ginecológica recente em que não é identificada qualquer alteração, e, semanas ou meses depois, a doença já ter progredido. Daí que – esclarece Cristiana Marques – não se recomende uma avaliação uma vez por ano, como no rastreio de outras patologias oncológicas: vários estudos mostraram que não se verifica impacto na detecção e no diagnóstico da doença.

A cirurgia na primeira linha

Não obstante ser um cancro de evolução rápida – sobretudo o tipo mais frequente, o carcinoma seroso de alto grau – é também uma doença que geralmente responde melhor a quimioterapia. A cirurgia surge como principal opção de tratamento ao dispor das equipas clínicas.

Uma opção que – enfatiza a especialista – deve ser sempre tomada em contexto de equipa multidisciplinar, envolvendo o ginecologista, o cirurgião, o oncologista, o radiologista e ao anátomo-patologista. É esta a recomendação das guidelines internacionais e – assegura Cristiana Marques – está provado que a cirurgia é a abordagem com maior impacto no prognóstico. O tratamento é individualizado à doente e à doença. Após o diagnóstico, é feito o estadiamento, com recurso a métodos de imagiologia, de modo a perceber a dimensão da doença e a definir se a doente é passível de ser operada ab initio: “Fazer a cirurgia logo de início é, muitas vezes, a primeira abordagem, sendo que, para isso, tem de haver potencial de o tumor ser completamente removido. Quando assim não acontece, o que habitualmente aconselhamos é começar por quimioterapia neoadjuvante, de modo a diminuir o volume do tumor, para cirurgia posterior”, explica a médica oncologista. À cirurgia segue-se geralmente um período de tratamento de quimioterapia.

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Desafios na gestão da doença

Nos últimos anos o paradigma da gestão desta doença tem vindo a alterar-se com o desenvolvimento de novas opções terapêuticas. O acesso às mesmas, por vezes, continua a apresentar enormes discrepâncias a nível europeu. Os doentes portugueses, por exemplo, têm de esperar 713 dias para ter acesso à mais recente inovação oncológica, enquanto na Alemanha, o mesmo doente apenas espera 102 dias (dados do Wait Indicator, 2022).

Esta situação, no caso do cancro do ovário pode ser particularmente preocupante, na opinião de Cristiana Marques: “O que queremos evitar é que haja uma recaída, porque, quando isso acontece, já estamos a falar, muitas vezes, de um contexto paliativo”, descreve a médica oncologista, defendendo que, sendo as recidivas comuns, “faz muito sentido utilizar todas as estratégias para as evitar”. Os medicamentos de manutenção permitem-no e, mesmo quando não o conseguem, prolongam o período em que a doente está livre de quimioterapia, empurrando a recaída no tempo. Além disso, “na primeira linha, há até um grupo de doentes que poderia ficar curado.”

Cristiana Marques explica que o cancro do ovário possui uma forte componente hereditária, com a mutação genética a verificar-se em cerca de 15 a 20% dos casos. É uma mutação que predispõe para o aumento de várias neoplasias, nomeadamente a do ovário: comparativamente à população em geral, a mutação BRCA1 corresponde a um risco de 36 a 53% de desenvolver cancro do ovário, enquanto a BRCA2 está associada a um risco de 11 a 25%.

O enorme impacto da inovação farmacológica é evidenciado pela forma como esta transformou o prognóstico na área da oncologia na qual, apenas entre 1980 e 2008, a esperança média de vida aumentou em mais de três anos, sendo que os tratamentos inovadores foram responsáveis por 83% deste aumento, de acordo com o relatório do The Boston Consulting Group,"Um Novo Modelo de Acesso à Inovação em Saúde Baseado em Resultados".

Paralelamente, a especialista Cristiana Marques advoga a importância de um diagnóstico mais precoce. Desta forma, reverter-se-iam outros números: os que apontam para uma taxa de 20% de cura, aos cinco anos, quando a neoplasia é diagnosticada nos estadios mais avançados (e aqueles em que o diagnóstico é mais frequente), versus os cerca de 80% nos estadios mais precoces.

As recomendações da especialista

Perante uma patologia que avança silenciosa, mas rapidamente, Cristiana Marques sublinha a importância de adoptar um estilo de vida saudável. Este cuidado com a saúde deve incluir uma alimentação que respeite a roda dos alimentos, privilegiando os legumes, as carnes brancas e o peixe, e excluindo os produtos processados, as carnes vermelhas, o tabaco e as bebidas alcoólicas.

O exercício físico assume um papel primordial, inclusive em contexto de doença, na medida em que contribui para minimizar os efeitos secundários dos tratamentos, bem como ajudar a superar todas as etapas da jornada das doentes.

A estes cuidados juntam-se outros, como cumprir o calendário de vacinação, nomeadamente do HPV (Vírus do Papiloma Humano, relacionado com o cancro do colo do útero), mas também os rastreios existentes, nomeadamente do cancro da mama.

E “estar sempre atenta ao corpo”, a sinais como distensão abdominal persistente; perda de apetite; perda de peso; cansaço extremo; enfartamento precoce; urgência urinária; e alterações do trânsito intestinal (diarreia ou obstipação). “É preferível procurar ajuda médica, em vez de ignorar. A pessoa tem medo do que vai encontrar, mas, quanto mais tarde, pior é. Além de que há cada vez melhores resultados, os tratamentos são cada vez mais bem tolerados.”

Para mais informações consulte o seu médico.

Fontes dos dados da infografia:
1)Portugal Factsheet GLOBOCAN, 2020
2)Europe Factsheet, GLOBOCAN, 2020
3)Ovarian Cancer Research Alliance (acedido em Maio 2023)
4)Doubeni CA et al. Am Fam Physician. 2016 Jun 1;93(11):937-44
5)Estimated number of deaths in 2020, Portugal, females, all ages (excl. NMSC), GLOBOCAN
6)Estimated age-standardized incidence rates (World) in 2020, Europe, females, all ages (excl. NMSC), GLOBOCAN
7)Estimated number of deaths in 2020, Europe, females, all ages (excl. NMSC), GLOBOCAN
8)Gaitskell K et al. Cancer Epidemiol. 2022 Feb;76:1020741)
9)The World Ovarian Cancer Coalition Atlas. Global trends in incidence, mortality and survival - acedido em Maio 2023

NP-PT-NRP-OGM-230011

05/2023