A Matrioshka da Culpa

Como sabe, querida mãe, as mães culpam-se sempre! Culpam-se por tudo o que diga respeito aos seus filhos.

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@designer.sandraf

Ana,

A verdade faz-nos mais fortes

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Ana,

Apesar de o céu se ter coberto de novo de nuvens, vamos lá falar de escaldões. Do sol e de protectores solares. E na responsabilidade dos avós que ficam com os netos nas férias e no final levam um raspanete porque não puseram o creme a horas. Enquanto os ditos juram a pés juntos que a criança já vinha assim de casa.

Queria revelar-te em primeira mão a solução que encontrei para estas birras. Proponho que se aplique a estes casos o método utilizado pelas agências de rent-a-car. No momento da entrega do veículo, o empregado anda à volta do carro e toma nota de todos os riscos e amolgadelas, enquanto à cautela quem compra o serviço as vai fotografando com o telemóvel.

Depois ambas as partes assinam o contrato, onde as mazelas encontradas vêm especificadas. No momento da devolução, se o veículo vier com danos que não constam do documento, a responsabilidade cabe ao condutor. O que te parece?


Querida Mãe,

Hahaha! À primeira vista a ideia é boa, mas vamos ser rigorosos: envolve só questões físicas? Se a criança, por exemplo, nunca tiver comido chocolates antes de entrar em casa da avó e regressar com bigodes de gelado os pais podem atribuir aos avós responsabilidade pelas cáries? E quanto aos danos emocionais? Se não fez birras durante o tempo em que esteve com os avós, mas grita quando chegamos a casa, podemos deduzir que resulta do “burnout” que sofreu durante todo o dia?

Na verdade, poupemo-nos à trabalheira dos contratos porque como sabe, querida mãe, as mães culpam-se sempre! Culpam-se por tudo o que diga respeito aos seus filhos. Aliás, é por isso que às vezes um aparentemente inofensivo comentário de terceiros as faz irritarem-se tanto, ou até perderem as estribeiras — sobretudo para as recém-mães tudo é um trigger de culpa.

A avó comenta que ele fez xixi nas cuecas e como não tinha outras foram comprar umas novas, e o que a mãe ouve é “Que raio de mãe é esta que nem um par de boxers extra manda?”. O avô diz que o miúdo não comeu a sopa e a mãe ouve “Ele agora não come a sopa, porque bem vi que a semana passada lhe deste papas em desespero de causa”. Na viagem de regresso de férias, o pai pergunta onde estão as fraldas e a mãe auto flagela-se 15 minutos por se ter esquecido de as comprar.

Acredite, mãe, até quando criticamos a sogra por ter cortado o cabelo da criança sem a nossa autorização, pensamos para dentro: “Como é que fui deixar a franja tapar-lhe os olhos daquela maneira?...” Difícil é quando a avó é tão parecida com a mãe que assume as culpas absurdas, que a mãe também tem... A isso chamo eu uma Matrioshka de Culpa! Se calhar podemos arranjar uma para nós.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Mas, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram.