Da Arábia Saudita ao Líbano, há mulheres a desafiarem as probabilidades e a investirem no negócio da roupa desportiva

Em toda a região do Médio Oriente e Norte de África, apenas 5% das empresas formalmente constituídas são lideradas por mulheres. Um dos sectores em que vingam é na roupa desportiva.

Foto
A designer saudita Eman Joharjy criou a abaya desportiva Sean Gallup/Getty Images

Nathaly Daou ziguezagueia por uma loja de tecidos subterrânea, em Beirute, puxando amostras de lycra néon e poliéster estampado antes de se decidir por um rolo de algodão branco.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Nathaly Daou ziguezagueia por uma loja de tecidos subterrânea, em Beirute, puxando amostras de lycra néon e poliéster estampado antes de se decidir por um rolo de algodão branco.

Encontrar tecido acessível para a sua linha de roupa desportiva durante a crise económica do Líbano tem sido um desafio para a empresária de 36 anos, uma das várias mulheres a dar investir no sector da roupa desportiva na região do Médio Oriente e Norte de África (região MENA, na sigla original).

“Tínhamos todas estas marcas importadas, mas eu queria fazer algo especial, algo diferente”, lembrou Nathaly, que é também fotógrafa profissional e instrutora de dança do varão. Por isso, lançou a sua linha Nat-Usual em Agosto de 2020, semanas após a devastadora explosão do porto de Beirute e quase um ano após o colapso financeiro que colocou mais de três quartos da população do Líbano abaixo do limiar da pobreza.

A moeda perdeu mais de 90% do seu valor nos últimos três anos, o que significa que os tecidos importados ou quintuplicaram no preço ou deixaram, simplesmente, de estar disponíveis. Cortes de energia galopantes em todo o país atrasaram a produção em meses e o sector bancário tinha efectivamente entrado em colapso, cortando o financiamento potencial para o seu negócio. “Era impossível criar um plano de negócios. Continuei a pensar, será que o devia fazer? Mas tive esta ideia durante dez anos e não queria esperar mais”, recordou Nathaly Daou à Fundação Thomson Reuters.

Decidida a não desistir, encetou uma caça por tecidos acessíveis, espalhou notícias da sua linha através da sua rede de contactos e começou por fixar o preço das peças em libras libanesas para as manter acessíveis. “Tive uma visão de uma marca libanesa com preços na moeda local — mas até o meu alfaiate pedia para ser pago em dólares americanos, porque as suas próprias despesas também tinham subido. Não tinha escolha.”

Pequenas margens, grandes ambições

Em toda a região MENA, apenas 5% das empresas formalmente constituídas são lideradas por mulheres. Mas, por cada empresária, há outras seis mulheres que querem iniciar um negócio mas não conseguem atingir o seu objectivo.

As pequenas e médias empresas lideradas por mulheres na região há muito que lutam para ter acesso a financiamento, de acordo com o Banco Mundial, que disse que a situação se tinha tornado “ainda mais terrível” durante a pandemia de covid-19.

A empresária tunisina Fatma Ben Soltane, que lançou a sua linha de roupa desportiva Fierce em 2019, tem lutado para aumentar a sua escala devido a uma crise de crédito durante a pandemia. Ela teve acesso a algum financiamento através da Flat6Labs Tunísia, um programa de aceleração e um fundo de capital de risco em fase inicial apoiado pelo braço da Corporação Financeira Internacional (IFC) do Banco Mundial e apoiado pela Iniciativa Financeira das Mulheres Empreendedoras (We-Fi). “É muito mais difícil ter acesso a financiamento do que antes da covid-19. Estou a tentar obter crédito para abrir uma grande loja de dois pisos para a Fierce, mas está a demorar muito tempo”, relatou.

A Fierce concentra-se na sustentabilidade — as suas leggings mais vendidas são feitas de tecido criado a partir de garrafas de plástico reciclado. Outros artigos são feitos de algodão tunisino reutilizado, e Ben Soltane insiste produzir lotes pequenos para eliminar os resíduos têxteis. “É muito mais caro para nós porque não é uma economia de escala e para afirmar este produto amigo do ambiente, mantivemos as margens sobre esses produtos baixas para encorajar as pessoas a comprá-lo”, explicou.

As leggings vendem-se a 85 dinares tunisinos (26,35 euros), muito menos do que as marcas importadas do estrangeiro, sobre as quais a Tunísia cobra taxas que chegam a atingir 150%. Mas parece ter funcionado, já que a facturação da empresa triplicou no último ano.

"Força, miúda!"

Para a designer saudita Eman Joharjy, a inspiração veio do seu amor pelo exercício ao ar livre. A ex-profissional de finanças disse que queria poder correr e andar de bicicleta ao ar livre, mas as normas conservadoras sauditas significam que as mulheres são obrigadas a usar vestes largas, conhecidas como abayas, e a manterem o cabelo coberto, o que torna a prática de exercício difícil.

As habituais perneiras e t-shirts à venda nos centros comerciais não serviam, por isso Joharjy concebeu uma abaya desportiva para si em 2007. A peça de vestuário larga, de uma só peça de algodão, apresentava mangas compridas, bolsos, fechos de correr e pernas cintadas. E era azul, em vez do convencional preto. A primeira vez que a usou para correr, sentiu os olhares atentos e ouviu as muitas gargalhadas.

“Mas, pouco a pouco, passei de ser a piada da cidade para ser a tendência — e a abaya desportiva tornou-se um novo nicho”, disse Joharjy, falando por vídeo-chamada do seu estúdio em Jedda, Arábia Saudita. A roupa, em algodão, e custa até 650 riyal sauditas (perto de 160€).

“Quando vejo uma mulher a correr com a minha abaya, fico tipo ‘Força, miúda!'”, confessou Eman Joharjy, que está entre o programa de moda das 100 Marcas Sauditas da edição árabe da revista Vogue. Ela passou a desenhar peças para mulheres profissionais sauditas, como arquitectas que precisavam de visitar estaleiros de construção ou fotógrafas que sentiam falta de grandes bolsos para as lentes.

“Queria dar às mulheres mais acesso ao espaço público para dizer, estamos aqui, e podemos fazer tudo”, declara.

Entretanto, outros designers de toda a região começaram a produzir abayas desportivas, mas Eman não se sente intimidada. “É bonito ser criadora de tendências.”