A cosmética sustentável alimenta-se de ingredientes naturais ao mesmo tempo que luta contra o plástico

La Roche-Posay, Pierre Fabre, Apivita, L’Oréal Paris, Freshly Cosmetics, The Body Shop, [Ph]act, Organii. Sejam grandes ou pequenas, a lista de marcas de cosméticos sustentáveis é infindável. Mas será que são mesmo amigas do ambiente ou fazem greenwashing?

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Natural, eco, vegan, bio, orgânico, cruelty free. As designações utilizadas pela indústria de cosméticos na descrição dos produtos para comunicar uma imagem sustentável e amiga do ambiente assumem os mais variados nomes. Há empresas que levam esta política de sustentabilidade a sério, desde o produto até à embalagem.

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Natural, eco, vegan, bio, orgânico, cruelty free. As designações utilizadas pela indústria de cosméticos na descrição dos produtos para comunicar uma imagem sustentável e amiga do ambiente assumem os mais variados nomes. Há empresas que levam esta política de sustentabilidade a sério, desde o produto até à embalagem.

Mas também existe o reverso da moeda: marcas de cosmética ou dermocosmética que se limitam a colar nas suas embalagens de plástico reciclado, vidro, alumínio ou papel falsos selos de aprovação verde que não estão legislados. Em suma, fazem o designado greenwashing. Adicionalmente criam e publicitam embalagens em tons de verde, com imagens de ervas, flores ou mel, onde não faltam expressões como “extracto natural” que direccionam o consumidor para o contexto do meio ambiente. Quem não se lembra do famoso anúncio de 2003 da Herbal Essences em que a mulher lavava o cabelo numa cascata enquanto gritava “Sim, sim, sim!”?

Com o passar do tempo, os consumidores tornaram-se cada vez mais preocupados em saber o que estão a aplicar no cabelo, rosto ou corpo e curiosos sobre a origem dos ingredientes, causando a alavanca para toda esta mudança de cariz sustentável. “A sustentabilidade tem três pilares: o ético, o financeiro e o ambiental”, começa por explicar ao PÚBLICO Joana Marto, farmacêutica e professora na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL). “Através do rótulo pouco conseguimos saber sobre o ético. Sobre o financeiro não sabemos nada e o ambiental a mesma coisa, a não ser que o produto tenha alguma certificação.”

Assim sendo, será que as marcas seguem à risca esta ideologia sustentável ou a indústria da beleza faz greenwashing para ficar bem na fotografia?

A verdade é que grande parte das marcas tem vindo a fazer mudanças não só em relação aos produtos, mas também na forma como os comunicam aos consumidores. La Roche-Posay e L’Oréal Paris têm apostado na redução ou substituição do plástico nas embalagens e colocam como meta o fim da utilização deste componente até 2030. A La Roche-Posay deu os primeiros passos para esta transição sustentável em 2020, quando lançou o creme Lipikar em embalagens de cartão com menos 45% de plástico.

Enquanto isso, marcas mais recentes como a espanhola Freshly Cosmetics, a britânica The Body Shop ou as portuguesas [Ph]act e Organii, criadas exclusivamente para a cosmética biológica, são praticamente livres — e no caso português totalmente livres — de plástico.

Mas é na composição dos produtos que a situação se complica. As marcas promovem os ingredientes naturais quando, muitas vezes, têm químicos sintéticos. E isto acontece porque biológico não é sinónimo de natural, explica Joana Marto. “Eu posso ter um produto 90% natural que não seja biológico, mas posso ter um produto natural e biológico se utilizar ingredientes que tiverem esta classificação de biológico.” Está relacionado com a origem do produto que, nos casos em que é publicitado como bio, não pode recorrer a fertilizantes ou herbicidas em nenhuma etapa.

Ingredientes naturais

A Pierre Fabre (que engloba marcas como Avéne, Ducray, A-Derma e Klorane), a Guerlain ou a marca grega Apivita, que dispõe de uma fábrica bioclimática, são provavelmente as marcas que melhor o comunicam. Como? Todas recorrem ao mel (ingrediente natural) para o fabrico dos cosméticos e, simultaneamente, manifestam o compromisso de proteger as abelhas. “Seguimos várias directrizes para que a extracção dos ingredientes minimize qualquer impacte no ecossistema, e isso reflecte-se, por exemplo, na extracção do mel das colmeias, onde apenas removemos 40% do que existe na colmeia, deixando os restantes 60% disponível [para os animais], que é mais do que suficiente para a sustentabilidade e manutenção da continuidade da rotina das abelhas”, explica Sara Santos, responsável pela gestão dos produtos da Apivita em Portugal​.

A estratégia é comunicada a todos os consumidores através das campanhas publicitárias e nas redes sociais, mas procura educar principalmente os consumidores do futuro: as crianças através do projecto-escola Bee Educate, que explica a importância das abelhas e a necessidade de as proteger.

A Freshly Cosmetics, onde 99% dos ingredientes são de origem natural e local, é outro exemplo. “A nossa prioridade passa por encontrar ingredientes não sintéticos que sejam inovadores e com grande eficácia”, explica Inês Mestre, porta-voz da marca — o que significa investir na procura por zonas tropicais e marinhas.

O respeito pelo ecossistema subaquático é também seguido pela La Roche-Posay, que desenvolveu uma gama de protectores solares isenta de microplásticos, componente responsável pela degradação da fauna e flora marinha. A [Ph]act de Maria Lourenço é exemplo disso. Fundada em 2021 com o lema Cuidar: de ti, dos outros, do hoje e do amanhã, a empresa dedica-se à “produção de champôs e condicionadores sólidos através de ingredientes de origem vegetal que respeitam o pH natural do cabelo e couro cabeludo, pode ler-se em comunicado.

A L’Oréal também tem procurado comunicar uma mudança no seu posicionamento através do desenvolvimento de produtos de lavagem capilar que não necessitam de água, como o champô seco Elvive Dream Long ou a máscara de óleo de jojoba. Na vertente waterless também se inserem produtos com apenas uma pequena quantidade ou totalmente isentos de água na sua formulação. No caso da cosmética portuguesa, a Organii das irmãs Cátia e Rita Curica é um dos exemplos com a linha beleza waterless de exfoliantes, óleos corporais e champôs sólidos.

Emolientes (o equivalente a óleos vegetais), conservantes, antioxidantes ou tensioactivos (presentes nos champôs e géis de banho) são exemplos de químicos que, embora não sejam prejudiciais para a saúde, são presença assídua nos rótulos da cosmética biológica. Para saber o que é e não é biológico os consumidores devem privilegiar produtos com rótulo ecológico europeu como o Blue Angel ou o Nordic Swan Ecolabel que cumprem os mínimos exigidos em várias áreas. “São tudo rótulos ecológicos que têm uma abrangência grande, ou seja, não têm apenas em conta a questão das substâncias químicas que são usadas, mas também a energia que gasta, a água, que tipo de recursos é que tem de ser mobilizado para produzir o produto e que tipo de embalagem”, explica Susana Fonseca, ambientalista da associação Zero. E, ao mesmo tempo, ter em consideração que o rótulo da floresta sustentável (FSC) apenas corresponde à embalagem com componentes provenientes de florestas sustentáveis e não à origem do produto.

Em relação às gamas cruelty free, ou seja, produtos que não são testados em animais, as opiniões dividem-se. Da mesma forma que a oferta aumenta, multiplicam-se os selos nas embalagens, quando a União Europeia proíbe há vários anos a comercialização de produtos testados em animais. Para a ambientalista, trata-se de uma estratégia de marketing puro. “É sempre uma forma passar a mensagem ao cliente ‘Vejam que nós até nem testamos em animais’. Imagino que isso vá ser proibido, porque, apesar de não ser mentira, é uma má prática. É que não poderiam testar em animais e não estão a fazer nada para conseguir aquele selo”, explica.

Quando sustentabilidade e luxo não combinam

No caso das embalagens, a sustentabilidade está mais longe de ser conseguida e algumas das marcas falam abertamente sobre este problema. À edição norte-americana da revista Vogue, Tata Harper, fundadora da empresa homónima de cosméticos orgânicos e 100% livres de ingredientes sintéticos, admitiu ser difícil encontrar opções luxuosas, “porque as coisas que são sustentáveis não são luxuosas e as coisas que são consideradas luxuosas são feitas de plásticos não recicláveis e acrílicos que acabam em aterros”. As opções têm passado pelo alumínio, papel, cartão ou vidro reciclado, como a da linha Wellness da The Body Shop, e também por encontrar forma de acomodar o máximo de produto no mínimo espaço possível como fez a L’Oréal com a linha de champôs profissionais Source Essentielle ou a Apivita que reduziu nos últimos seis anos o peso das embalagens e a pegada ecológica associada ao transporte.

Nos produtos que ainda utilizam plástico, as marcas procuram aliar-se a organizações ambientais e criar projectos de comércio justo. Exemplo disso é, uma vez mais, a The Body Shop com o programa Comércio Justo com Comunidades na Índia, criado em 1987, onde o plástico reciclado e reciclável é comercializado a um preço justo, ajudando, desta forma, as comunidades com mais dificuldades económicas. “Através do nosso próprio programa, fazemos a diferença, porque criamos uma ligação autêntica com os nossos produtores e fornecedores. Encontrámo-nos pessoalmente com eles. Conhecemos as suas famílias e as suas comunidades. É por isso que o Comércio Justo com Comunidades é muito importante para nós”, enaltece Marisa Gómez de Cadiñanos, responsável pela comunicação da marca.

Contudo, para a ambientalista Susana Fonseca​, a sustentabilidade não passa apenas pela redução ou substituição deste componente. “Os cosméticos são uma área em que há muita sobreembalagem”, analisa, defendendo que “era muito importante que as marcas usassem a menor quantidade de embalagem possível”. E recorda: no caso de um simples boião de creme existe plástico, cartão e novamente plástico.

A solução, considera, passa pelo reenchimento de certos produtos como champôs, condicionadores, gel de duche e de mãos, alternativa onde a The Body Shop tem sido pioneira através da criação de estações de refill, recorrendo a garrafas de alumínio.

No caso das marcas que seguem à risca a política de sustentabilidade, poupar água no desenvolvimento dos produtos é indispensável. Mas apenas algumas reforçam o investimento como o centro de gestão de águas certificado da Apivita, que não só reduz o consumo em 11% como recolhe e reutiliza a água da chuva. Além da construção de mais de quatro mil poços de água potável no Burkina Faso, em África, a Freshly Cosmetics distingue-se no contributo ambiental em conjunto com a ONG We Forest pela plantação de uma árvore por cada compra superior a 50 euros (de 2016 à data, diz já ter plantado mais de 272.500 árvores) e diferentes acções de protecção ambiental mensais como a recolha de lixo nas praias e zonas verdes.

Garantindo desconhecer se estas marcas praticam uma falsa sustentabilidade ou quais as que o fazem, Susana Fonseca, da associação Zero, dá exemplos de publicidade enganosa na composição de substâncias que se dizem naturais e, embora na teoria até o serem, depois têm apenas 0,001% desse tal ingrediente. “De qualquer modo, os cosméticos são dos produtos mais regulados e exigem maior transparência. Analisando isso e partindo do pressuposto que as marcas são honestas, e na generalidade dos casos podemos defender que sim, posso descobrir se aquele produto tem ou não aquela substância”, conclui.