Desta vez a abstenção esteve nas mesas de voto

Falta de voluntários que se tinham inscrito para estarem este domingo nas urnas obrigou autarquia a recorrer a suplentes e a manter mesas de voto com apenas quatro elementos, em vez dos habituais cinco.

Foto
O voto antecipado está a ser exercido este domingo LUSA/ANTÓNIO COTRIM

Sentado no salão nobre da reitoria da Universidade de Lisboa, José Nunes confere com atenção a lista de eleitores do Porto que lhe calhou em sorte neste dia de votação antecipada. Dos janelões da sala desfruta-se de uma magnífica vista para o relvado da alameda, mas os membros da mesa de voto 65, de que faz parte, estão de costas voltadas para o panorama.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Sentado no salão nobre da reitoria da Universidade de Lisboa, José Nunes confere com atenção a lista de eleitores do Porto que lhe calhou em sorte neste dia de votação antecipada. Dos janelões da sala desfruta-se de uma magnífica vista para o relvado da alameda, mas os membros da mesa de voto 65, de que faz parte, estão de costas voltadas para o panorama.

Não era suposto estar aqui. Técnico desportivo de profissão, José Nunes só se tinha voluntariado para estar na votação do dia 30, na Junta de Freguesia de Belém. Uma mensagem de correio electrónico recebida de véspera pô-lo a ele e a muitos outros suplentes de sobreaviso de que podiam vir a ser mobilizados neste domingo, devido à falta de colegas. E assim sucedeu, um pouco por todo o lado. Quando lhe ligaram para comparecer na Cidade Universitária já as urnas tinham aberto há 20 minutos. Dois membros da sua mesa não haviam comparecido.

Quando lhe perguntam se tem receio de ser contaminado pela covid-19 encolhe os ombros e aponta para as máscaras cirúrgicas que tem à disposição: “Nem máscaras FFP2 nos deram”, lamenta. “Só não entendo por que razão vão autorizar no dia 30 a votar pessoas que deviam estar confinadas em casa, mas pronto”, conforma-se.

Não é uma opinião avulsa. Entre os eleitores a quem calhou votar no salão nobre há quem pense exactamente o mesmo. “Sinceramente, acho que foi uma ideia peregrina. Então dois anos depois de a covid-19 ter aparecido não podiam ter já preparado o voto electrónico?!”, interroga-se uma consultora financeira de 40 anos, Diana Carvalhido da Silva. Além do risco que a opção tomada constitui para quem recebe os votos, observa, existe igualmente risco para a saúde de quem vai à rua num estado de saúde debilitado. Para lamentar esta autorização excepcional: “Isto parece um país de terceiro mundo”.

Fotogaleria
ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Quem ia integrar as mesas de voto das legislativas teve oportunidade de receber o reforço da vacina contra a covid-19 nos dias 15 e 16 de Janeiro. A falta de afluência fez com que fossem chamados antecipadamente aos centros de vacinação outros grupos. Seja como for, quem recebeu a vacina nesse fim-de-semana ainda não está protegido com a terceira dose, por ainda não terem decorrido os 14 dias necessários para que isso aconteça.

Dados fornecidos às 10h deste domingo pelo vereador da Câmara de Lisboa Diogo Moura, com competências nos serviços de apoio ao processo eleitoral davam conta de um número de “abstenções” entre os membros das mesas de voto relativamente reduzido: 30 faltas em 760 pessoas em serviço voluntário no concelho, não só na Cidade Universitária como também no Restelo e no Lumiar.

Mas na realidade, como acabou por admitir ao PÚBLICO o autarca a meio da manhã, esse número pode ter sido bastante superior, uma vez que as três dezenas apenas incluíam as faltas comunicadas, e não as que realmente foram dadas sem aviso. Perante este cenário, a autarquia acabou por desistir de ter em todas as mesas os cinco elementos previstos, e várias delas ficaram a funcionar apenas com quatro membros. “Algumas destas pessoas ficaram em isolamento profiláctico, enquanto outras não compareceram por motivo de doença”, explicava o vereador. Houve também quem não tivesse dado justificação.

Ao contrário do que é habitual, os faltosos não vão ter grandes problemas pelo facto de não terem comparecido, explicava o membro de uma das mesas que funcionaram na reitoria: “Em circunstâncias normais teriam de apresentar atestado médico ou documento equivalente. Mas agora basta-lhes ligar para a Linha Saúde 24 a informar de que estiveram em contacto com alguém infectado – mesmo que isso não seja verdade”.

Em Lisboa inscreveram-se para o voto antecipado 38 mil pessoas. E a afluência de quem decidiu por precaução e para evitar ajuntamentos antecipar o voto, mesmo não estando deslocado, parecia muito razoável a meio da manhã, tendo chegado a formar-se pequenas filas à porta de algumas salas. À hora de almoço tinha votado um quarto dos inscritos.

Ainda não era meio dia quando Manuela Silva e o marido chegaram às urnas, vindos de Carnide. Nunca falharam uma votação ao longo destes anos de democracia e não ia ser agora. “Porque é que não votamos daqui a uma semana? Sabemos lá se nesse dia estamos bem de saúde...”.