Portugal aprova menos de metade dos estrangeiros candidatos a médicos

Desde 2019, Portugal recebeu um total de 1674 pedidos de admissão de estrangeiros para o exercício de medicina, tendo aprovado 706, a maior parte médicos brasileiros. Os candidatos com uma taxa de aprovação mais alta são espanhóis, ucranianos, alemães e italianos.

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REUTERS/GONZALO FUENTES

Portugal aprovou, nos últimos três anos, 42,2% dos pedidos de candidatos a médicos oriundos de países estrangeiros, três quartos dos quais brasileiros, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES).

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Portugal aprovou, nos últimos três anos, 42,2% dos pedidos de candidatos a médicos oriundos de países estrangeiros, três quartos dos quais brasileiros, segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES).

Desde 2019, ano a partir do qual existem dados centralizados, Portugal recebeu um total de 1.674 pedidos de admissão de estrangeiros para o exercício de medicina, tendo deferido 706 (até 14 de Dezembro de 2021).

Quem quer exercer medicina em Portugal tem de cumprir dois requisitos para se inscrever na Ordem dos Médicos: ver reconhecido o curso/grau por qualquer uma das oito escolas médicas portuguesas e demonstrar que sabe comunicar em português. Um médico de qualquer país da União Europeia tem reconhecimento automático em Portugal, ao abrigo da legislação comunitária. Para se inscrever na Ordem dos Médicos, só terá de realizar uma prova de comunicação médica.

Porém, para quem venha de outras paragens, e apesar de a lei de reconhecimento de graus académicos e diplomas de ensino superior atribuídos por instituições estrangeiras se aplicar também a Andorra, Moldávia, Noruega, Reino Unido, Rússia, Suíça, Turquia e Ucrânia, esse reconhecimento é condicionado, pela entidade que regula a actividade médica, à avaliação de conhecimentos académicos, clínicos e linguísticos, assegurados, primeiro, pelas escolas médicas portuguesas e, depois, pela Ordem dos Médicos, com uma prova de comunicação médica.

Proporcionalmente, os estrangeiros candidatos a médicos com uma taxa de aprovação mais elevada são os espanhóis (84,4% dos pedidos deferidos), seguidos de ucranianos (78,8%), alemães (70%) e italianos (66,2%). Já entre os 74,7% de pedidos apresentados por brasileiros, apenas 42,7% foram aprovados, ainda que estes representem três quartos do total de pedidos aprovados (706).

Nos últimos três anos, todos os candidatos a médicos oriundos de Cuba, Guiné-Bissau e Venezuela foram recusados. E apenas um dos 29 pedidos feitos por cidadãos angolanos foi aprovado.

“Todo o processo de qualificação é feito pelas escolas médicas” e visa assegurar que os candidatos aprovados “têm conhecimento reconhecido e estabilizado” para exercerem “uma medicina de qualidade” em Portugal (ou, posteriormente, no espaço comunitário), com o mesmo “padrão de exigência” imposto aos estudantes nacionais, disse à Lusa o presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), Henrique Cyrne Carvalho.

À excepção dos candidatos oriundos de países onde o português é língua oficial, todos começam por realizar uma prova de comunicação.

Aprovados nessa prova, e juntamente com todos os candidatos que não tenham de a fazer, o passo seguinte é a avaliação curricular, com um “teste escrito nas grandes áreas de conhecimento médico”, da responsabilidade das várias Escolas Médicas (em rotação e por área). “É uma avaliação nacional, o teste é igual para todos”, frisa Cyrne Carvalho. É neste teste de conhecimento específico que “à volta de metade” dos candidatos fica pelo caminho, assinala.

Os candidatos que prosseguem fazem depois uma “prova prática, com o doente, chamada ‘prova de caras'”, em cada uma das faculdades onde apresentaram candidatura. Nesta, a percentagem de chumbos “é flagrantemente menor”, destaca o também director do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

Finalmente, os candidatos têm de apresentar uma dissertação de mestrado, exigida também aos estudantes portugueses, que saem dos cursos de Medicina com grau de mestre.

Concluído o processo das escolas médicas com aprovação, que demora “um ano civil inteiro”, contabiliza o presidente do CEMP, podem inscrever-se para o exercício de clínica geral, mas não sem antes se submeterem a uma prova de comunicação médica, esta exigida pela Ordem dos Médicos e que envolve outro actor diferente: o Camões, instituto tutelado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros.

“Se não souber falar português, não pode exercer. É preciso falar com os doentes e escrever nos diários clínicos”, justifica o bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, asseverando que “o nível de exigência [da prova] não é muito elevado”.

Ainda assim, segundo dados da própria Ordem, em 2021, dos 62 candidatos à prova de comunicação médica, 11 ficaram pelo caminho. Mesmo os que já tinham sido avaliados em várias provas, incluindo de comunicação, pelas escolas médicas.

Ordem admitiu 55% dos pedidos de especialidade

Quanto à especialidade, pouco mais de metade dos médicos estrangeiros que pediram exame à Ordem dos Médicos portuguesa foram admitidos em 2020, indicou o bastonário. Miguel Guimarães referiu que, no ano passado, foram admitidos 55% dos pedidos de exame de especialidade, percentagem que se havia situado nos 60% em 2019.

Dos médicos estrangeiros que foram aceites a exame de especialidade no ano passado, 86% foram aprovados, um aumento face a 2019 (81%).

A inscrição na Ordem dos Médicos apenas concede a possibilidade imediata de praticar clínica geral. Ora, se o candidato estrangeiro quiser equivalência a uma especialidade, essa avaliação caberá aos colégios da Ordem e isso já “é outro campeonato completamente diferente”, reconhece o bastonário, admitindo que é um processo “moroso e complexo”, que “não depende da Direcção Nacional da Ordem, mas de cada Colégio per si”.

Por essa mesma razão, a Ordem não consegue indicar a média de tempo que cada colégio da especialidade demora a avaliar os médicos estrangeiros candidatos. “Há pequenas variações no tempo que demora a fazer a avaliação, há uns que avaliam rapidamente, outros demoram mais um mês, dois ou três”, explicita Miguel Guimarães.

O bastonário defende o modelo de selecção de candidatos estrangeiros a exercer medicina em Portugal, em que o currículo dos cursos é avaliado, em primeira instância, pelas escolas médicas. “Há cursos de Medicina que não têm qualidade e as universidades [portuguesas] têm cuidado com isso”, realça, dando um exemplo. “O Brasil é o país do mundo com mais cursos de Medicina, tem os piores e os melhores curso de Medicina”, refere, notando que a sua duração varia de um a seis anos. “Abrir uma escola médica no Brasil é muito fácil, o Governo não impede nenhuma escola”, sinaliza, referindo que “a maior parte dos médicos brasileiros não estão inscritos na Ordem dos Médicos brasileira”.

Porém, Miguel Guimarães reconhece demoras no processo em Portugal e assinala “um atraso considerável” em tempo de pandemia de covid-19. A avaliação dos candidatos de 2021 ainda está em curso e o processo só deverá estar finalizado no final deste ano, demorando dois anos em vez dos habituais 12 meses. “O exame está a atrasar a vida aos médicos que vêm de fora, que se queixam de estar um ano ou dois à espera só para o fazer”, refere o bastonário, admitindo que é preciso “fazer um debate a sério” sobre o assunto.

“Da nossa parte, [o processo] é ágil. Agora, da parte das universidades... fazem um exame por ano”, aponta, lembrando que a Ordem faz “admissões em qualquer altura” e se, por exemplo, um pedido entrar em Setembro, “na pior das hipóteses vai ser admitido em Outubro”. Porém, a Lusa encontrou uma candidata que espera luz verde da Ordem há mais de dois meses.

Já para o presidente do Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), é “definitivamente” inviável fazer mais do que uma prova por ano. “Isto é um acréscimo de trabalho brutal para as escolas médicas, que tem de ser gerido dentro do calendário académico”, assevera Henrique Cyrne Carvalho, director do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto.

“O número de candidatos tem vindo a aumentar de forma flagrante, o que não nos tem ajudado a dar a resposta com a rapidez que gostaríamos”, reconhece, atribuindo os atrasos à pandemia e acreditando que, ultrapassada a situação, o “modelo sistemático” que está em vigor desde 2020 será eficaz. “A nossa intenção é que, passado este período muito complicado, o processo se torne fluido, com intervalos definidos, rigorosos e previsíveis”, vinca.