Quantas vezes um professor deslocado vai ao lixo no mês de Julho?

Vou para o terceiro ano de trabalho, irei mudar-me para a minha terceira casa. Adoro dar aulas, mas a logística que está por trás disso é psicologicamente desafiante.

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Rui Oliveira

Não, caro leitor. Se o seu primeiro instinto o levou a pensar que utilizaria este texto para reclamar uma medalha de pessoa que cumpre com as suas obrigações domésticas, não, não é isso. Aliás, o ecoponto mais próximo do sítio onde vivo estará, no mínimo, a cinco quilómetros daqui. No entanto, aqui consigo pagar a renda. E não, não pretendo reflectir sobre ecopontos.

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Não, caro leitor. Se o seu primeiro instinto o levou a pensar que utilizaria este texto para reclamar uma medalha de pessoa que cumpre com as suas obrigações domésticas, não, não é isso. Aliás, o ecoponto mais próximo do sítio onde vivo estará, no mínimo, a cinco quilómetros daqui. No entanto, aqui consigo pagar a renda. E não, não pretendo reflectir sobre ecopontos.

Como professor deslocado, o fim do mês de Julho, ou o fim do contrato, é o momento de tentar meter a casa toda dentro do carro, se possível, de uma só vez. Outros dirão que a mobilidade no âmbito do trabalho é normal e até necessária no contexto laboral onde vivemos. Outros dirão que há séculos que existem pessoas deslocadas da sua terra natal para exercerem a sua profissão. Sim, sou capaz de entender tudo isso. No entanto, aprender a lidar o momento da mudança é um desafio que acresce ao de embarcar na aventura de leccionar e de encontrar um sítio para dormir que se consiga pagar.

Vou para o terceiro ano de trabalho, irei mudar-me para a minha terceira casa. Adoro dar aulas, mas a logística que está por trás disso é psicologicamente desafiante. Não vou cair na crítica fácil e dizer que a escola “não me preparou para o futuro” ou até “terminei o 12.º ano sem saber fazer o IRS, como tratar de assuntos bancários e como tomar decisões financeiras ponderadas, que se paga impostos quando se compra uma casa, mas foi mesmo muito útil saber o Sermão de Santo António (aos peixes)”, até porque, pelo andar da carruagem, comprar uma casa será das últimas coisas de adulto que farei. Ainda faltam muitos quilómetros, ainda faltam conhecer muitos sotaques e estradas que nos permitam fugir às portagens.

Devemos, friamente, aceitar isto e perceber que ainda nos faltam, mais coisa, menos coisa, 15 anos disto? Desapegar-nos das coisas que vamos comprando com o dinheiro dos nossos salários e aceitar, apaticamente, que irão ficar fechadas em caixas, porque já nem vale a pena colocar numa estante? Como é que lidamos com a lengalenga que nos venderam ao longo da vida: “Estuda, para teres uma boa vida!”.

Fiz isso, estudei para cumprir o meu sonho (isso é ter uma boa vida). Será que me preparei para ser um nómada do século XXI? Não. Estar em casa a arrumar lembranças de bons momentos e andar a ziguezaguear pelas caixas com as coisas que já estão prontas a meter no carro é uma mistura de inevitabilidade com frustração. Mistura-se a sensação de saber que as férias vão começar, com a certeza de que isto acontecerá mais vezes. Uns dirão que é um luxo de trabalhar naquilo que estudamos, outros dirão que nada paga o conforto de estar perto daqueles que nos querem.

Nesta dicotomia de compreender todos e aprender a gerir a ansiedade, devemos ainda descansar a cabeça, para que o burnout seja algo ainda distante. Pelo meio das caixas e das idas ao lixo, vão-se fazendo os planos para as férias. Em Setembro, voltaremos a ligar o piloto automático.