Quando as mães são as chatas de serviço

Para eles, os pais, somos desmancha-prazeres porque “qual é o mal” de uma excepção, de uma variante da rotina?

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@DESIGNER.SANDRAF

Mãe,

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Mãe,

Lembra-se que da última vez que lhe escrevi, confessei sentir-me uma super heroína? Pronto, já passou. Hoje sou a má da fita, e quero falar-lhe de como os homens da nossa vida muitas vezes fazem-nos sentir as vilãs da história. Pelo que percebo a geração dos seus pais (meus avós) era ao contrário, e os pais é que eram as figuras austeras, que punham ordem na casa, mas na minha geração é claramente às mães que cabe esse papel. As chatas que vão interromper o ataque de cócegas que o pai decidiu fazer às 21h30, quando já estavam todos na cama, e quase a adormecer. A que proíbe que se dê só mais um mergulho na praia, quando já estavam todos prontos para sair. A que tem que dizer que não pode haver noite de cinema em dias de escola, ou que no domingo ninguém passeia à tarde, porque há demasiados TPC.

Para eles, os pais, somos desmancha-prazeres porque “qual é o mal” de uma excepção, de uma variante da rotina?

Nenhum, de facto, se fossem eles a acarretar com as consequências. É que enquanto o pai ouve as gargalhadas dos miúdos, nós ouvimos os choros na manhã seguinte quando é preciso arrancá-los da cama. E enquanto eles desfrutam do mergulho, nós percebemos que aquele “atraso” vai fazer com que o mais pequeno adormeça no carro, destruindo qualquer hipótese de o deitar a tempo e horas. Ou que a “noite de cinema” acaba com birras para ir para a escola, e que adiar os trabalhos para o final da tarde, só vai trazer sarilhos. Mas, por outro lado... Se ninguém travasse esta hiper-racionalização e eficiência das mães — que garante literalmente que a terra continua a girar nos eixos — o que é que acontecia? Extinção em massa? Ou vivíamos todos mais descontraídos e livres? Não sei se tenho a coragem de arriscar para saber!


Querida Filha,

Nunca ouviste falar na técnica do “polícia bom” e do “polícia mau"? Pois, é a estratégia favorita de quem gere famílias, empresas ou até países. A um cabe o papel de estabelecer e ver cumprir regras, e a outro o de amenizar a coisa, dando a aparência de ser mais benevolente e generoso do que o primeiro. Na realidade, trabalham em equipa. Ou deviam trabalhar, mas quando não é assim há sempre um que fica com o papel de mau da fita, e ser o mau da fita eternamente irrita muito. E dá vontade de crucificar quem nos condena a ele, porque nós também sabemos fazer cócegas, dizer que os TPC podem ficar para mais logo, e é muito mais fácil.

Mas as mães deste país podem fazer a experiência de tomar uma caixa de ansiolíticos e esperar para ver o que acontece. A minha previsão é de que o caos se instala mesmo. Perante o mundo virado do avesso, é bem provável que os papéis mudassem, e mais rapidamente do que imaginavam, porque não há como viver com as consequências para perceber a razão de ser das coisas.

Quanto ao passado, Ana, nos nossos livros de leitura do tempo do Estado Novo havia sempre uma ilustração de uma mãe e de uma filha, de lacinho no cabelo, que iam à porta dizer adeus ao pai que saía para o trabalho, e uma outra em que o acolhiam ao fim de um dia de labuta com a mesa posta e um raminho de flores na mão. O pai tinha sobre os ombros a difícil tarefa de sustentar a família, mas em casa era a mãe que punha o lar doce lar em ordem, o jantar na mesa, e geria a rotina das crianças, para que cumprissem com os deveres e não incomodassem o progenitor — em teoria o sonho de qualquer homem do século XXI.

Mas isso era nos livros, porque na vida real havia de tudo, desde o pai tirano ao pai mais meigo e sensível, da mãe mandona e autoritária à mãe submissa e obediente, com todas as variantes possíveis e imaginárias. Como agora.

Seja como for, acho que mesmo no tempo das cavernas as mães nunca conseguiram escapar a ser chatas, o outro lado da moeda da sua divindade.


No Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.