O início de O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório

Chega nesta terça-feira às livrarias o terceiro romance do escritor brasileiro Jeferson Tenório, mas o primeiro a ser editado em Portugal . O Avesso da Pele, editado pela Companhia das Letras, é sobre identidade racial e relações familiares. “Jeferson Tenório traz à superfície um país marcado pelo racismo e por um sistema educacional falido, e um denso relato sobre as relações entre pais e filhos”, resume a editora.

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Às vezes você fazia um pensamento e morava nele. Afastava‑se. Construía uma casa assim. Longínqua. Dentro de si. Era esse o seu modo de lidar com as coisas. Hoje, prefiro pensar que você partiu para regressar a mim. Eu não queria apenas a sua ausência como legado. Eu queria um tipo de presença, ainda que dolorida e triste. E apesar de tudo, nesta casa, neste apartamento, você será sempre um corpo que não vai parar de morrer. Será sempre o pai que se recusa a partir. Na verdade, nunca soube ir embora. Até ao fim você acreditou que os livros poderiam fazer algo pelas pessoas. No entanto, entrou e saiu da vida, e ela continuou áspera. Há nos objetos memórias de você, mas parece que tudo que restou deles me agride ou me conforta, porque são sobras de afeto. Em silêncio, esses mesmos objetos me contam sobre você. É com eles que te invento e te recupero. É com eles que tento descobrir quantas tragédias ainda podemos suportar. Talvez eu deseje chegar a algum tipo de verdade. Não como um ponto de chegada. Mas como um percurso que vasculhe os ambientes e dê início a um quebra-cabeça, um quebra-cabeça que começa atrás da porta da sala, onde encontro um alguidar de argila alaranjada. E, dentro dele, uma pedra, um ocutá, enrolada em guias de cores vermelhas, verdes e brancas, um orixá. Observo‑a com cuidado. É assim que se adentra numa vida que já se foi. Tiro o ocutá do alguidar.

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Às vezes você fazia um pensamento e morava nele. Afastava‑se. Construía uma casa assim. Longínqua. Dentro de si. Era esse o seu modo de lidar com as coisas. Hoje, prefiro pensar que você partiu para regressar a mim. Eu não queria apenas a sua ausência como legado. Eu queria um tipo de presença, ainda que dolorida e triste. E apesar de tudo, nesta casa, neste apartamento, você será sempre um corpo que não vai parar de morrer. Será sempre o pai que se recusa a partir. Na verdade, nunca soube ir embora. Até ao fim você acreditou que os livros poderiam fazer algo pelas pessoas. No entanto, entrou e saiu da vida, e ela continuou áspera. Há nos objetos memórias de você, mas parece que tudo que restou deles me agride ou me conforta, porque são sobras de afeto. Em silêncio, esses mesmos objetos me contam sobre você. É com eles que te invento e te recupero. É com eles que tento descobrir quantas tragédias ainda podemos suportar. Talvez eu deseje chegar a algum tipo de verdade. Não como um ponto de chegada. Mas como um percurso que vasculhe os ambientes e dê início a um quebra-cabeça, um quebra-cabeça que começa atrás da porta da sala, onde encontro um alguidar de argila alaranjada. E, dentro dele, uma pedra, um ocutá, enrolada em guias de cores vermelhas, verdes e brancas, um orixá. Observo‑a com cuidado. É assim que se adentra numa vida que já se foi. Tiro o ocutá do alguidar.