Lar de Reguengos: ministra admite “responsabilidade deontológica” da Ordem e sindicato dos médicos

O surto provocou a morte de 18 pessoas. Instituto da Segurança Social multou a fundação que gere o lar de Reguengos por falta de condições de higiene e de pessoal adequado.

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LUSA/NUNO VEIGA

A ministra da Saúde admite que possa haver “responsabilidade deontológica” na actuação de membros da Ordem dos Médicos (OM) e do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) que sugeriram aos clínicos dos centros de saúde do Alentejo Central que invocassem a ilegalidade da prestação da assistência aos residentes do lar de Reguengos de Monsaraz para não terem que trabalhar na instituição.

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A ministra da Saúde admite que possa haver “responsabilidade deontológica” na actuação de membros da Ordem dos Médicos (OM) e do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) que sugeriram aos clínicos dos centros de saúde do Alentejo Central que invocassem a ilegalidade da prestação da assistência aos residentes do lar de Reguengos de Monsaraz para não terem que trabalhar na instituição.

Baseando-se nas conclusões do inquérito realizado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que apenas pôs em causa a “deficiente colaboração" dos hospitais alentejanos em todo o processo, Marta Temido pediu a este organismo que enviasse para “a entidade competente o relato de factos susceptíveis de responsabilidade deontológica por parte de membros da Ordem dos Médicos e sindicatos envolvidos”. A entidade competente é a própria Ordem dos Médicos. Os documentos vão ser enviados ao Ministério Público da comarca de Évora, onde decorre um “inquérito de natureza criminal”.

As conclusões da IGAS são conhecidas sete meses após o surto de covid-19 no lar de Reguengos de Monsaraz, que provocou a morte de 16 residentes, uma funcionária e um motorista da Câmara Municipal local, em Junho e Julho de 2020. O caso desencadeou grande polémica depois de uma comissão de inquérito da OM ter divulgado o relatório da auditoria que efectuou no lar e em que arrasa a actuação no processo da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo e critica a autoridade de saúde pública.

A IGAS concluiu que os hospitais da região, nomeadamente o hospital de Évora, não cumpriram a sua missão, por não terem assegurado a presença física dos seus médicos com a especialidade de medicina interna, “situação que comprometeu a gestão do surto”, mas ressalvou que tal não “implicou aumento do risco ou prejuízo” para os residentes no lar. De resto, concluiu que a eventual responsabilização disciplinar da Autoridade de Saúde Regional já está prescrita e que não há nada a apontar aos responsáveis da Administração Regional de Saúde (ARS) do Alentejo e da Autoridade de Saúde Local. Marta Temido pediu, assim, à ARS do Alentejo que recomende expressamente a articulação entre os hospitais e os centros de saúde, tendo em conta a “imperativa necessidade de um melhor trabalho em rede” no futuro. 

As conclusões da IGAS contrariam os resultados da auditoria que a comissão da Ordem dos Médicos levou a cabo no lar gerido pela Fundação Maria Inácia Vogado Perdigão Silva​. O grupo de trabalho da OM considerou que o lar de Reguengos de Monsaraz não cumpria as orientações da Direcção-Geral da Saúde (DGS), apontou responsabilidades à administração da instituição e pôs em causa a actuação da Autoridade de Saúde Pública e da Administração Regional de Saúde do Alentejo.

Quanto à questão da eventual responsabilidade deontológica, segundo o inquérito da IGAS agora divulgado em parte pelo Ministério da Saúde, as questões de ilegalidade invocadas pelos médicos dos centros de saúde locais para se escusarem a ir ao lar decorreram de “instruções recebidas quer da OM, quer do SIM, as quais suscitaram nestes um clima de dúvida e preocupação a partir” de 2 de Julho passado.

A inspecção considera que não existiu “nenhuma ilegalidade ou outro vício jurídico” nas visitas dos médicos, ao contrário do que tinham denunciado a OM e o SIM, e sublinha que as visitas tinham enquadramento legal num despacho da ministra da Saúde, publicado em Abril, que determina que devem ir aos lares no caso de surtos de covid-19. Uma actuação contrária colide com o Código Deontológico dos Médicos, no princípio geral de colaboração, e com a “cooperação devida para a defesa da saúde pública”, acentua.

O Sindicato Independente dos Médicos “apenas sugeriu aos médicos que, não sendo o lar o seu local de trabalho, podiam não ir lá, mas, apesar de não serem obrigados, eles estiveram sempre lá e nunca houve recusas”, reage o secretário-geral do SIM, Jorge Roque da Cunha.  “Não recebemos quaisquer lições de um inspector-geral que está a tentar branquear a inacção de uma entidade que tem milhares de euros de orçamento e que não tem um médico”, acrescentou ao PÚBLICO, defendendo que a responsabilidade pelo que ocorreu no lar “é da própria fundação, da Segurança Social que tem a obrigação de fazer inspecções e da ARS do Alentejo”.

Esta segunda-feira,  o Instituto da Segurança Social adiantou, pelo seu lado, que o processo de fiscalização que instaurou a propósito deste caso terminou com duas contraordenações à fundação que gere o lar de Reguengos de Monsaraz, devido às “deficientes condições de higiene e segurança” e à falta de pessoal “com categoria profissional e afectação adequada às actividades desenvolvidas”.

Além da fiscalização, continua em curso o inquérito da Inspecção-Geral do Ministério do Trabalho e Segurança Social pedido pelo Governo, que deverá estar concluído nas próximas semanas. Na última visita conjunta de acompanhamento, realizada em 6 de Janeiro, não foram detectadas desconformidades.