Baleal, a praia que não conhece estações do ano

O leitor Miguel Silva Machado regressou à praia imortalizada por Raul Brandão na obra Os Pescadores.

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Chovia persistentemente mas ainda assim decidi voltar ao Baleal. Não para confirmar Raul Brandão, “…a mais linda praia da terra portuguesa…”, mas por impulso! Esta frase assinala na pedra desde 1967 o centenário do seu nascimento. A placa não salda a dívida do Baleal pela descrição feita em 1919, mas motiva a curiosidade pela obra Os Pescadores. "(…) Não passa de uma grande rocha desligada da costa e fundeada a 300m - mas esta rocha é uma ossada, e talvez o último vestígio de Atlântida, saindo do mar azul, a escorrer azul, e presa à terra por um fio de areia que nas marés vivas chega a desaparecer… a acção das águas é incessante nestas velhas pedras carcomidas, onde meia dúzia de casas de pescadores se agarram como lapas…”.

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Chovia persistentemente mas ainda assim decidi voltar ao Baleal. Não para confirmar Raul Brandão, “…a mais linda praia da terra portuguesa…”, mas por impulso! Esta frase assinala na pedra desde 1967 o centenário do seu nascimento. A placa não salda a dívida do Baleal pela descrição feita em 1919, mas motiva a curiosidade pela obra Os Pescadores. "(…) Não passa de uma grande rocha desligada da costa e fundeada a 300m - mas esta rocha é uma ossada, e talvez o último vestígio de Atlântida, saindo do mar azul, a escorrer azul, e presa à terra por um fio de areia que nas marés vivas chega a desaparecer… a acção das águas é incessante nestas velhas pedras carcomidas, onde meia dúzia de casas de pescadores se agarram como lapas…”.

Cem anos depois, o essencial na morfologia do Baleal (Peniche) mantém-se. Continua a ser uma rocha característica, igual a poucas, a Capelinha de Santo Estêvão que o escritor refere lá continua, assim como as ilhas a norte, apenas frequentadas por pescadores e mariscadores na captura de afamados percebes.

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Menos de meia dúzia de embarcações permanecem activas na “praia dos barcos” junto à Capela e à Casa das Marés, antigo Hotel Club Baleal, em 1917. Terá sido ali que pernoitou Raul Brandão? Não consegui saber mas já lá fiquei e gostei!

Sou fã do Baleal, como se percebe, e tenho pena de não haver aqui espaço para transcrever tudo o que o escritor nos deixou sobre esta terra, o mar e o choque constante de ambos!

Claro que agora as casas são na maioria de veraneantes, muitas “AL”, vários cafés/ restaurantes abertos quando há negócio, Verão e Inverno, mais do que seria de imaginar nestes dias agrestes. O surf não teme o frio, a chuva, o vento e em Dezembro lá continuam umas dezenas de surfistas vindos da Europa – vi carros de Itália, França, Alemanha e Holanda, mas certamente outras mais nacionalidades poderia acrescentar.

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No Verão as praias enchem-se, as minúsculas do Baleal, mas sobretudo a do Sul e a do Norte, que ladeiam o fio de areia que liga ao continente, agora devidamente reforçado por cimento. Por estes dias, como na maior parte do ano nos Casais do Baleal (a povoação da freguesia de Ferrel a partir da qual se lhe acede), restaurantes, bares e surf camps mantêm-se a funcionar.

Percorrer o Baleal a pé pelo interior do casario, quase e sempre bem conservado e sem evidentes “disparates urbanísticos” que noutras latitudes se encontram, é interessante. Pela costa é um exercício de deslumbramento, cor e força. Peço ajuda a Raul Brandão para encerrar, voltarei sempre que puder, faça chuva ou faça sol!  

“(…)Tudo isto perdido no azul ou assaltado pelas ondas coléricas. Os vagalhões avançam e despedaçam-se de encontro às pedras, que vomitam espuma e ficam a babar-se pelos buracos puídos. E outra – lá vem outra – incessantemente para o assalto! … … As noites são profundas, admiráveis e cintilantes de pedraria – grandes como Deus…”.

Miguel Silva Machado