Obrigar a usar máscara na rua e app StayAway Covid? São medidas “altamente autoritárias”

“A história ensina-nos que nunca se consegue combater com eficácia uma crise sanitária com medidas repressivas”, diz o presidente do Conselho Nacional de Saúde, um órgão consultivo do Governo.

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Nelson Garrido

O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Henrique Barros, reagiu com indignação às medidas esta quarta-feira anunciadas pelo Governo para conter a epidemia de covid-19 em Portugal, nomeadamente a de tornar obrigatório o uso de máscara na rua e a de obrigar trabalhadores, estudantes e membros das forças de segurança a utilizar a aplicação de rastreio de contactos StayAway Covid, que permite que os infectados com o novo coronavírus possam activar um alerta no telemóvel que avisa as pessoas com quem estiveram nos últimos 15 dias.

“São medidas altamente autoritárias. Isto é um sinal evidente de uma imensa desorientação, não é política baseada na evidência, é política para tentar criar evidência. Isto indigna-me não só pelo lado autoritário, mas também pela estupidez, porque a história ensina-nos que nunca se consegue combater com eficácia uma crise sanitária com medidas repressivas”, disse o especialista em saúde pública e em epidemiologia ao PÚBLICO.

As críticas do presidente do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto surgem depois de o primeiro-ministro anunciar que pretende tornar obrigatório o uso de máscara na rua, quando não for possível cumprir “o distanciamento social necessário” e instituir também a obrigatoriedade da utilização da app de rastreio de contactos em contexto laboral, escolar, académico e nas forças armadas e de segurança. “A chamada ‘fadiga da prevenção’ é conhecida há décadas. A minha preocupação é muito técnica, já nem discuto os aspectos de natureza política ou moral, porque sabemos que, quando se optou por este tipo de medidas, saiu o tiro pela culatra.” O epidemiologista dá o exemplo da sida: “Proibiram-se as saunas e surgiram saunas clandestinas...” 

No Conselho Nacional de Saúde, que é um órgão consultivo do Governo, a hipótese de tornar obrigatório o uso da aplicação StayAway Covid  nunca foi discutida, sequer, diz Henrique Barros. “O conselho está muito dividido sobre a própria existência da aplicação. Mas reconhecemos que a app voluntária pode ser um instrumento na caixa de ferramentas com que fazemos o rastreio de contactos. A sua utilidade resulta da possibilidade de se ultrapassar o chamado viés de memória, porque é difícil conseguirmos recordar todas as pessoas com quem estivemos há quatro ou cinco dias.

“Outra barbaridade”

Quanto à obrigatoriedade do uso de máscara na rua, essa é “outra barbaridade”, declara. E a limitação de ajuntamentos, que agora passa a ser mais restritiva, também não recolhe a sua aprovação. “Se meter 50 pessoas em casa, isso é uma multidão. Se meter 50 pessoas num campo de futebol, elas nem conseguem falar umas com as outras”, exemplifica. Quando olhamos para a evolução dos números nas últimas semanas,” ficamos preocupados”, admite. “Estamos aflitos? Estamos. Alguma coisa não correu bem. Mas o que é necessário é dizer as pessoas que lavem as mãos, que estejam menos juntas, que cumpram a etiqueta respiratória, que não vão trabalhar quando estão doentes, que usem máscaras sempre que tiverem sintomas, mesmo que seja em casa. Em vez de alimentar um clima de medo, o que é preciso é informar e persuadir as pessoas a cumprir regras que possam assimilar”, defende.

Por outro lado, acrescenta: “Pode-se aumentar o número de comboios, de autocarros, negociar horários de trabalho diferenciados, deixar ficar em casa quem pode ficar em casa. E explicar às pessoas que, se forem a um jantar com 50 pessoas e 10 ficarem infectadas, isso pode gerar 600 casos num mês e 12 mortes. O que não é preciso é fazer isto à bruta.”

O executivo vai pedir, com urgência entre a noite desta quarta-feira e a manhã de quinta-feira, autorização ao Parlamento para tornar uso da máscara obrigatório na via pública, quando não for possível manter o distanciamento social, e a utilização da aplicação Stayaway Covid em alguns espaços públicos de maior risco. A partir da meia-noite de quinta-feira ficam também proibidos ajuntamentos na via pública de mais de cinco pessoas

Notícia corrigida às 11h50: O Governo quer tornar obrigatória a utilização da aplicação StayAway Covid, não a sua instalação

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