Biblioteca de Alcântara abre como espaço cultural comunitário em Lisboa

É esta segunda-feira que vai abrir no Palacete dos Condes de Burnay, em Alcântara, Lisboa, uma nova biblioteca. O antigo palacete do século XIX foi alvo de um projecto de requalificação da arquitecta Margarida Grácio Nunes, sendo complementado com uma peça escultórica do artista plástico José Pedro Croft, no jardim,

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Rui Gaudencio

Uma nova biblioteca, que é também um centro cultural de cariz comunitário, destinado a todas as idades, vai nascer em Alcântara, Lisboa, no Palacete dos Condes de Burnay, recuperado com uma obra de arquitectura que recebeu uma menção honrosa. Complementado com uma peça escultórica do artista plástico José Pedro Croft, no jardim, que dialoga com o interior e com os livros, o antigo palacete do século XIX abre ao público esta segunda-feira, com valências que vão do cinema ao ar livre, até à universidade sénior, passando por teatro, por um coro, por ofícios e por uma galeria de arte.

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Uma nova biblioteca, que é também um centro cultural de cariz comunitário, destinado a todas as idades, vai nascer em Alcântara, Lisboa, no Palacete dos Condes de Burnay, recuperado com uma obra de arquitectura que recebeu uma menção honrosa. Complementado com uma peça escultórica do artista plástico José Pedro Croft, no jardim, que dialoga com o interior e com os livros, o antigo palacete do século XIX abre ao público esta segunda-feira, com valências que vão do cinema ao ar livre, até à universidade sénior, passando por teatro, por um coro, por ofícios e por uma galeria de arte.

Na génese da sua requalificação e transformação em biblioteca esteve sempre a ideia de trabalhar as memórias republicana e antifascista, inerentes à vivência do bairro e à própria história do palacete. No início do século XX, Alcântara -- bairro operário e popular - era um dos principais centros republicanos de Lisboa, onde se conspirava contra a monarquia e se planeavam formas de instaurar a república em Portugal. O edifício, que integrava o património imobiliário da família Burnay, abriu as portas à comunidade no início do século XX, tendo albergado, na década de 1930, a Escola Comercial Ferreira Borges.

Já durante a ditadura salazarista, Alcântara continuava a acolher grupos revolucionários, reprimidos pelo regime. E foi em Dezembro de 1961, quase em frente à escola, que o artista plástico e militante antifascista José Dias Coelho foi assassinado pela PIDE, polícia política da ditadura, um crime denunciado por José Afonso na música A morte saiu à rua. Para que esse crime não fosse esquecido, e para manter a memória do artista, a rua ganhou o seu nome, depois do 25 de Abril de 1974.

Para transformar o palacete em biblioteca, o edifício foi alvo de um projecto de requalificação da arquitecta Margarida Grácio Nunes, que recebeu uma menção honrosa de Melhor Intervenção de Impacto Social do Prémio Nacional de Reabilitação Urbana 2020. A intervenção teve em atenção a recuperação da traça original, mas, ao mesmo tempo, procurou trazer “mais luz para a biblioteca, recuperar os frescos no interior e introduzir um design contemporâneo”, explicou a vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto. Ao todo, a nova Biblioteca de Alcântara, cujo projecto começou a ser trabalhado há três anos, custou à autarquia três milhões de euros, dos quais a grande fatia foi para a reabilitação: 2,4 milhões de euros, disse a vereadora. 

Esta é a 18.ª biblioteca a integrar na Rede de Bibliotecas de Lisboa (Rede BLx), embora seja considerada uma biblioteca “âncora”, porque “estende o raio de acção para além do bairro onde está inserida”, explicou Catarina Vaz Pinto. “Hoje em dia as bibliotecas são mais do que bibliotecas. Desde que lançámos o programa, que queremos transformar essa visão das bibliotecas como um espaço só para consultar livros e ler, em centros culturais de proximidade”, acrescentou.

Por isso, esta biblioteca “vai espelhar e trabalhar temas da cidadania e da democracia e trabalhar o lado artístico de José Dias Coelho”. Esse diálogo entre a palavra escrita e a arte está patente nos espelhos-esculturas de José Pedro Croft, localizados no jardim da biblioteca: São três grandes espelhos numa das paredes do jardim, com portadas, que se podem fechar, deixando a parede toda branca, ou abrir, como janelas que, por um lado, reflectem o espaço exterior aumentando-o, por outro, dialogam com as portas-janelas localizadas na parede mesmo em frente, explicou o artista.

Além disso, as esculturas, por si só, dão a ilusão de três grandes livros abertos, em que a portada faz as vezes de capa, estabelecendo essa relação entre a arte e a palavra escrita, entre o exterior e o interior. “É possível criar relações diferentes, conforme as janelas estão abertas ou fechadas. Os espelhos trazem imagens virtuais para dentro da escultura”, disse o artista. Uma outra parede, toda branca, que liga estas duas, servirá para projectar filmes, a que os visitantes poderão assistir estendidos na relva ou sentados em “pufes” colocados nesse espaço. Até esse aspecto foi tido em conta por José Pedro Croft, que quis marcar o contraste entre os “espectadores passivos”, que assistem à sessão de cinema, e os espectadores que “são protagonistas, à medida que andam, que aparecem e desaparecem nos espelhos”.

Com um total de cinco andares - o último dos quais, um mirante com vista para Alcântara e para o rio Tejo -, o piso térreo terá em funcionamento uma loja, sala multiúsos, espaço para famílias, o jardim e uma galeria, com acesso directo à rua, que alberga uma exposição de aguarelas de Emília Dias Coelho, irmã de José Dias Coelho, explicou a coordenadora da biblioteca, Ana Santos. Entre as actividades programadas, há um teatro comunitário, que vai estrear uma peça baseada na vida de José Dias Coelho, chamada “Zé” e que evoca a “relação com a memória de Alcântara”, e há um coro infantil e juvenil, ensaiado pelo maestro Pedro Branco, contou a responsável.

Os ofícios também vão estar presentes nesta biblioteca, garantiu Susana Silvestre, responsável pela Rede Blx. “Os ofícios estão-se a perder. Há pessoas que, em termos de sociedade e rentabilidade financeira, querem voltar a aprender e nós vamos trabalhar aqui isso”, acrescentou. O espaço famílias, destinado ao público infanto-juvenil, tem livros, jogos e computadores, e uma área que é parque infantil para bebés, mas que se transforma e pode ser usada para hora do conto. Aqui haverá programas para bebés a partir dos 9 meses, um “trabalho de literacia emergente”, que se pretende que os pais possam dar continuidade em casa, disse Susana Silvestre.

O piso de cima vai albergar a cafetaria, que terá os jornais do dia, e que as pessoas podem levar para a sala ao lado, uma sala de estar “onde a nobreza do palacete foi mantida, e onde se sente a presença de Sintra”, com frescos de paisagens daquela vila, e os tectos brancos trabalhados, referiu Ana Santos. A cafetaria dá acesso a um terraço, com esplanada, e a ideia é concessionar o espaço: “Gostaríamos que a cafetaria tivesse uma programação cultural compatível com a biblioteca”. À frente, uma sala de leitura, de livros de ficção, e no piso de cima, uma sala de estudo já com ambiente de biblioteca universitária, onde se pode usar computador próprio ou pedir um emprestado. “Vamos ter empréstimo de portáteis [localmente, para usar no espaço da biblioteca], como se fosse um livro, uma coisa que é diferente das outras bibliotecas”, revelou a coordenadora.

Além disso, a biblioteca tem a possibilidade de devolução de livros 24 horas por dia, com um dispositivo na parede que permite que as pessoas devolvam quando quiserem, acrescentou. No dia da inauguração, segunda-feira, haverá duas visitas guiadas, à tarde, e, até Dezembro, haverá uma visita por dia.