Morreu Lee Teng-hui, o histórico mas também controverso “Sr. Democracia” de Taiwan

Presidente ente 1988 e 2000, foi uma figura central na promoção da autonomia de Taiwan e nas reformas democráticas, o que levou a vários confrontos com Pequim, mas também com o próprio partido.

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Lee Teng-hui tornou-se, em 1996, no primeiro Presidente democraticamente eleito em Taiwan Simon Kwong/Reuters

O antigo Presidente de Taiwan Lee Teng-hui, que estava hospitalizado desde Fevereiro, morreu esta quinta-feira, aos 97 anos, em Taipé, devido a problemas cardíacos que levaram à falência dos seus órgãos. Foi Presidente entre 1988 e 2000 e, em 1996, tornou-se no primeiro chefe de Estado democraticamente eleito.

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O antigo Presidente de Taiwan Lee Teng-hui, que estava hospitalizado desde Fevereiro, morreu esta quinta-feira, aos 97 anos, em Taipé, devido a problemas cardíacos que levaram à falência dos seus órgãos. Foi Presidente entre 1988 e 2000 e, em 1996, tornou-se no primeiro chefe de Estado democraticamente eleito.

Em comunicado, o gabinete da Presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, invocou o legado de Lee Teng-hui: “A Presidente acredita que a contribuição do ex-Presidente Lee para a jornada democrática de Taiwan é insubstituível e a sua morte representa uma grande perda para o país.”

Apelidado de “Sr. Democracia” e até de “Pai de Taiwan” ao longo da sua vida, escreve o South China Morning Post, Lee Teng-hui foi uma figura controversa, que moldou o espectro político na região. Bateu-se pela identidade de Taiwan, o que o pôs várias vezes em confronto com a China, apesar de ter pertencido ao Partido Comunista Chinês (PCC) no fim da II Guerra Mundial, uma filiação que durou pouco tempo. 

Nasceu em 1923, em Sanzhi, numa comunidade agrícola nos arredores de Taipei e estudou agronomia na Universidade Imperial de Quioto, no Japão, tendo cumprido serviço militar no exército japonês durante a II Guerra Mundial, quando as autoridades japonesas governaram Taiwan (1895-1945), mas nunca chegou a entrar em combate.

No final da Guerra, regressou a Taiwan e juntou-se ao PCC. No entanto, escreve o New York Times, rapidamente renunciou ao marxismo e, na década de 1970, juntou-se ao Kuomintang (KMT), o Partido Nacionalista Chinês, que governou Taiwan durante várias décadas, tendo os registos da sua passagem pelo PCC sido apagados.

Antes, contudo, foi interrogado várias vezes pelas autoridades de Taiwan em relação à sua actividade no PCC, particularmente na década de 1960, quando Taiwan vivia sob lei marcial – que vigorou entre 1949 e 1987 –, imposta pelo Presidente Chiang Kai-shek. Pelo meio, viveu vários anos nos Estados Unidos, onde cultivou relações com Washington, depois de ganhar bolsas para estudar na Universidade do Iowa, em 1952, onde tirou um mestrado em agricultura económica, e na Universidade de Cornell, em Nova Iorque, em 1964, onde tirou o doutoramento.

Em Agosto de 1971, foi apresentado a Chiang Ching-kuo, filho do Presidente Chiang Kai-shek, também ele especialista em agricultura. Dois meses depois, entrava para o KMT.

Legado histórico

A partir de então, o trajecto de Lee Teng-hui confunde-se com o KMT. No mesmo ano, tornou-se ministro da Agricultura, e, sete anos depois, em 1978, é eleito presidente da câmara de Taipei, tendo modernizado a capital e levado a cabo uma importante reforma agrária.

Em 1984, Chiang Ching-kuo, que ocupou o lugar do pai na presidência de Taiwan após a sua morte (1975) , escolheu Lee Teng-hui para vice-presidente, um momento histórico, uma vez que era o primeiro cidadão nativo de Taiwan a chegar a um cargo tão importante.

Quatro anos depois, em 1988, Lee Teng-hui voltou a fazer história para os nativos de Taiwan e tornou-se Presidente, “rompendo com o sistema autocrático da família Chiang”, segundo o New York Times. Em 1991, pôs fim ao estado de emergência no país e permitiu que os cidadãos de Taiwan visitassem familiares na China continental. Defendeu uma reaproximação à China, mas apenas com a condição de Pequim aderir à democracia, o que não viria a acontecer.

Apesar da aproximação à China, Lee Teng-hui fortaleceu os laços com os Estados Unidos e defendeu a autonomia e a identidade de Taiwan no exterior, o que não foi bem-recebido em Pequim. No pico da tensão, em 1995, viveu a crise de mísseis no Estreito de Taiwan, com a China a realizar vários exercícios militares balísticos durante oito meses, numa tentativa de amedrontar os apoiantes da independência da região. Lee Teng-hui resistiu e no ano seguinte, em 1996, foi reeleito Presidente, nas primeiras eleições democráticas em Taiwan.

Controverso 

A presidência de Lee Teng-hui durou até 2000, quando foi derrotado por Chen Shui-bian, do Partido Democrático Progressista, pondo fim à hegemonia do KMT.

Afastado do poder, Lee continuou a promover a identidade e autonomia de Taiwan no exterior, tendo sido expulso do KMT em 2001, depois de demonstrar apoio à União de Solidariedade de Taiwan, um partido pró-independência.  

O fantasma da corrupção ainda pairou sobre si, em 2011, quando foi acusado de ter desviado oito milhões de dólares durante a sua presidência. Foi absolvido dois anos depois.

Em 2018, ajudou a criar a Aliança Formosa, uma coligação de partidos pró-independência, que prometeu referendar a independência de Taiwan, uma promessa que não chegou a ser cumprida.

O legado de Lee Teng-hui não é, por isso, consensual. Em declarações ao South China Morning Post, o politólogo Wang Kung-yi afirma que “para os seus apoiantes, era conhecido como o ‘Sr. Democracia’, que trabalhou arduamente para promover reformas políticas “, como a as eleições parlamentares, presidenciais e municipais, bem como a promoção dos direitos humanos, da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa.

Os críticos, contudo, “acusam-no de trair o KMT e de intensificar as divisões políticas na ilha, obstruindo o progresso político e económico”.

Lee Teng-hui, no entanto, escreve o New York Times, acreditou que teve um papel fundamental ao ajudar os 23 milhões de habitantes de Taiwan, tornando-os num “farol” para os mais de mil milhões de cidadãos da China continental. “Desenvolvemos a economia e abraçámos a democracia, tornando-nos um modelo para uma futura China reunificada”, disse o “Sr. Democracia”.