Building Tomorrow Together: as neurociências em aceleração

Já estão em desenvolvimento acelerado os dez projectos inovadores seleccionados pela Roche pelo seu potencial para transformar a vida de pessoas com doença neurológica. Descobrir um tratamento eficaz para a doença de Alzheimer é um dos objectivos perseguidos neste bootcamp.

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Este não é mais um programa de aceleração e empreendedorismo igual a tantos outros e os participantes que foram seleccionados para o integrar, entre as dezenas que concorreram, sabem bem o que está aqui em causa: desenvolver uma ideia inovadora com o propósito bem definido de fazer diferença na vida de doentes através de fármacos, tratamentos, tecnologias ou dispositivos na área das neurociências. Consegui-lo com o apoio de uma da das maiores farmacêuticas do mundo – a Roche – e ainda beneficiar de mentoria ultra-especializada e oriunda de diversos contextos é algo que todos os participantes valorizam. Sabem que a oportunidade é única – todos o confirmam - e querem muito agarrá-la. Mas o que ninguém esperava é que o Building Tomorrow Together – este programa de Open Innovation e mentoring lançado pela Roche Portugal no final de 2019, com o apoio da Roche Global e da Embaixada da Suíça – acabaria por ser, ele próprio, alvo de uma abordagem inovadora. É que o bootcamp – o momento em que as equipas trabalham no terreno com o apoio directo dos mentores, beneficiando das interacções e partilhas para desenvolverem as suas ideias – estava inicialmente concebido para durar três dias, mas, claro, a pandemia trocou as voltas a toda a gente. Com a necessidade de isolamento assumida, o encontro presencial deixou de ser possível, mas isso não impediu que o objectivo de aceleração se suspendesse. Com o apoio da imatch - consultora portuguesa na área de inovação e parceira da iniciativa desde o começo – adaptou-se todo o programa e o bootcamp está agora a decorrer, à distância, durante cinco semanas, até Junho.

Porquê as neurociências?

Mas inovar é isto mesmo, é reformular tudo e mudar a perspectiva sem perder o foco. E isso é o que companhias como a Roche fazem no dia-a-dia para continuarem na busca de estratégias de cura ou melhoria da qualidade de vida dos doentes. Por essa razão, durante o lançamento do bootcamp virtual, a 22 de Abril, Simona Skerjanec, directora-geral da Roche Portugal, agradeceu a coragem dos investigadores, académicos e responsáveis de startups envolvidos, que aceitaram participar neste novo formato.

O que não mudou foi o objectivo do programa, inteiramente vocacionado para as neurociências, área com a qual a Roche assume um profundo compromisso, nas palavras de Paulo Fontoura, Global Head Neuroscience Clinical Development da multinacional, sedeada em Basileia, na Suíça. Também a participar na videoconferência, o responsável partilhou o que a companhia persegue nesta área, justificando a aposta no Building Tomorrow Together. “Proteger o que faz de nós o que somos” é a missão da Roche através da investigação nas neurociências, explicou, acrescentando que “os avanços na compreensão das doenças estão a acelerar, levando a novas terapêuticas” e é nesse sentido que trabalham todos os dias, nomeadamente em patologias para as quais não há cura, como a doença de Alzheimer, por exemplo. Com o mesmo intuito mantêm uma forte cultura de parcerias, como realçou na mesma ocasião Luís Correia, Director Business Development Roche Pharma Partnering, segundo o qual a companhia procura “valorizar a inovação externa como complemento da inovação e conhecimento internos”, o que reforça a aposta neste programa pioneiro na Roche a nível global.

Dez ideias transformadoras

Muito distintos uns dos outros, os dez projectos em desenvolvimento no Building Tomorrow Together constituem grandes esperanças para o diagnóstico ou tratamento de diversas doenças neurológicas. Falámos com os responsáveis de cada um para perceber melhor o que podem acrescentar de inovador:

1. ProBrain SPAD – Promissor na doença de Alzheimer

Há já cerca de dez anos que João Filipe Fonseca-Gomes e Maria José Diógenes, investigadores no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, trabalham neste projecto, tendo começado por descrever um mecanismo patológico que se observa na doença de Alzheimer. Com essa informação, desenharam e testaram um novo fármaco destinado a corrigir esse sistema e cuja eficácia já foi demonstrada in vitro e ex vivo “com resultados bastante promissores”, dizem-nos em entrevista. Nos próximos meses, esperam iniciar os testes pré-clínicos e acreditam que “uma possível colaboração com uma instituição como a Roche poderia acelerar muitíssimo o desenvolvimento deste fármaco”. O impacto, acreditam, “poderá ser fortíssimo”, sobretudo porque até ao momento não há cura para esta patologia.

2. iLoF – Uma nova era da medicina personalizada

Também a contribuir para o avanço no tratamento das doenças neurodegenerativas está a iLoF, que através de uma tecnologia de plataforma validada e patenteada - baseada em fotónica e inteligência artificial - está focada em combater aquilo que considera ser “a maior epidemia dos nossos tempos”, referindo-se à doença de Alzheimer. Segundo Luís Valente, CEO e co-founder da iLoF, o objectivo passa por contribuir para “uma nova era da medicina personalizada”, permitindo criar uma impressão digital do perfil biológico de cada doente, através de uma simples amostra de sangue e, assim, permitir o recrutamento rápido das pessoas certas para os ensaios clínicos nesta patologia. Segundo o responsável, este é “o resultado de mais de quatro anos de investigação europeia de alto impacto, envolvendo diversas instituições académicas e de investigação de renome”.

3. ProtexAging – Compostos químicos que podem curar

Primeiro, os investigadores da ProtexAging identificaram uma família de compostos químicos que activam um mecanismo capaz de proteger as células dos danos que ocorrem em doenças associadas ao envelhecimento, como as doenças de Alzheimer e de Parkinson. E agora – durante o bootcamp do Building Tomorrow Together – continuam a “estudar estes compostos para confirmar o seu potencial terapêutico, de modo a que o melhor deles possa vir a ser um medicamento capaz de parar os processos neurodegenerativos que estão na base destas doenças”, explica-nos Alexandrina Mendes, que integra o grupo da pesquisa desenvolvida na Universidade de Coimbra e no Centro de Neurociências e Biologia Celular, contando com o apoio destas entidades.

4. Exo-Treat – Curar a doença de Machado-Joseph

Há mais de 15 anos que o grupo de investigação coordenado por Luís Pereira de Almeida, professor na Universidade de Coimbra, trabalha em terapias de base genética para a doença de Machado-Joseph, uma doença neurodegenerativa rara e para a qual não existe cura ou tratamento eficaz. Com o Exo-Treat, estão empenhados em tratar esta doença “na sua origem primária, através da correcção do defeito genético causador da doença, recorrendo a ferramentas de edição genética”. Segundo o investigador, “o grande potencial desta tecnologia é permitir a entrega destas moléculas terapêuticas às regiões afectadas do cérebro de forma segura, eficaz e altamente controlada”, contribuindo assim para “avanços significativos no tratamento da doença de Machado-Joseph e outras doenças neurodegenerativas”.

5. VR4NeuroPain – A realidade virtual na dor neuropática

O VR4NeuroPain quer contribuir para a reabilitação de pessoas com dor neuropática. Em concreto, quer fazê-lo através de “uma solução inovadora de tecnologia interactiva, que associa a realidade virtual a uma luva que integra biossensores, com o objectivo de promover o processo de reabilitação de pessoas com dor neuropática”, diz-nos Micaela Fonseca, do grupo de quatro investigadores responsáveis por este projecto. A tecnologia em causa permite inclusivamente a criação de ambientes virtuais, que correspondam às motivações e aos interesses dos doentes, podendo ser “aplicada em contexto clínico ou no domicílio, por médicos, terapeutas, doentes e familiares/prestadores de cuidados”. O protótipo do VR4NeuroPain foi apresentado pela primeira vez na Web Summit de 2017, em Lisboa, e encontra-se agora em fase de validação, que decorre em parceria com o Centro de Medicina de Reabilitação de Alcoitão.

6. NoOCD City – Apoio no transtorno obsessivo-compulsivo

Também com base na tecnologia de realidade virtual, a que se junta a interacção cérebro-máquina, a NoOCD City destina-se a apoiar quem sofre de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Em causa está uma “plataforma em circuito fechado, na qual o paciente é levado a progredir através de uma narrativa virtual de modo a aprender a auto-regular a sua resposta emocional”, explica-nos Óscar Gonçalves, professor e investigador na Escola de Psicologia da Universidade do Minho. Desta forma, o doente é confrontado - mediante realidade virtual - com uma sequência de cenários que lhe causam aversão e desencadeiam comportamentos obsessivo-compulsivos, mas progressivamente será orientado para cenários de bem-estar, observando-se uma modulação da actividade cerebral. Este projecto começou a ganhar forma no último ano, mas assenta em “quase uma década de investigação das bases neurobiopsicológicas do TOC”, refere Óscar Gonçalves.

7. Neuro Neckband – Optimizar o tratamento

A Neuro Neckband parte de um pressuposto simples: para progredir no conhecimento e na optimização do tratamento de doenças neurológicas comuns, como a doença de Parkinson, é cada vez mais importante a monitorização dos pacientes durante o seu dia-a-dia. Para tal, pretendem desenvolver um dispositivo portátil, “que permita recolher dados fisiológicos para optimizar o tratamento e prevenir a mortalidade evitável dessas doenças”, avança Daniela Domingues, responsável pela pesquisa em conjunto com Romain Ligneul, ambos neurocientistas na Fundação Champalimaud. Com a participação no bootcamp organizado pela Roche, esperam “aprender em detalhe o processo e os desafios inerentes ao desenvolvimento de um produto na área da inovação tecnológica aplicada à saúde, desde a conceptualização até à materialização”.

8. Psychomark - Detectar padrões alterados na actividade cerebral

Desde 2008, altura em que começou o seu doutoramento, que a caracterização de padrões na actividade cerebral tem sido o objecto de estudo de Joana Cabral. Agora está a participar no Building Tomorrow Together com a Psychomark, uma ferramenta de apoio ao diagnóstico e investigação de fármacos em psiquiatria. Nas suas palavras, este recurso “permite a detecção de padrões alterados na actividade cerebral medida com ressonância magnética”, estando baseado num algoritmo que a própria desenvolveu e publicou em 2017. “As propriedades dinâmicas das redes cerebrais constituem uma nova gama de marcadores, que permitem avaliar de forma objectiva e não-invasiva a eficácia de tratamentos psiquiátricos em desenvolvimento”, diz-nos a investigadora.

9. brain.block – um chip neuronal pioneiro

“Se o nosso cérebro é comparável a um computador, uma máquina que processa informação, por que não construir um computador biológico?” Esta é a ideia de partida do brain.block, um chip neuronal capaz de receber e transmitir informação, como nos explica Adam d'Armada Moreira. Mais especificamente, “um dispositivo electrónico, baseado em tecnologia e metodologias já existentes na área das neurociências e das engenharias, mas que nunca foram combinadas desta forma”, isto é, de maneira a “agilizar o processo de identificação/selecção de novos compostos candidatos ao tratamento de doenças neurológicas”. A vantagem que encontra neste programa de inovação criado pela Roche é permitir contornar as dificuldades com que se confrontam as “inovações que surgem no meio académico e que ficam num limbo: se por um lado são revolucionárias demais para a academia e agências de financiamento arriscarem nelas, também não conseguem dar o salto para a indústria sem alguma prova de que funcionam”.

10. PolyQ-ACT - Encontrar uma terapia para doenças incuráveis

São cinco os investigadores a trabalhar no PolyQ-Act, projecto destinado a “encontrar uma terapia para um grupo de doenças incuráveis que afectam o cérebro e para as quais, actualmente, não existe nenhum tratamento disponível”. Segundo Clévio Nóbrega, do Centro de Investigação em Biomedicina da Universidade do Algarve, os resultados do grupo “apontam de forma consistente para que a ideia constitua uma terapia inovadora e com enorme potencial”, pelo que, com esta participação, têm o objectivo de “acelerar o processo de desenvolvimento da ideia, para que algum dia consiga chegar à clínica e aos doentes”.

Chegar à vida dos doentes

Juntos, ainda que à distância, e acompanhados pelos mentores respectivos atribuídos pela organização, todos os participantes esperam chegar ao mercado mais rapidamente, trocar experiências e fazer contactos, mas, sobretudo, fazer a diferença na vida de doentes que, de outra maneira, se vão perdendo de si. Após o pitch final – a apresentação ao júri – os três vencedores serão seleccionados, recebendo 20 mil, 12.500 e 10 mil euros respectivamente, com forte probabilidade de divulgação além-fronteiras.