Todos para a mesa! Obesidade infantil, factores psicológicos e os tempos que correm

No contexto da actual pandemia, com todas as suas repercussões na vida das famílias, torna-se compreensível que as nossas capacidades para lidar com o stress e para mobilizar as melhores estratégias de gestão alimentar das crianças possam estar, de algum modo, comprometidas.

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Sabemos que não é novidade e que já o deve ter lido em diversos contextos, mas nunca é de mais relembrar que os últimos números nacionais indicam que cerca de 30% das crianças apresentam excesso de peso e 12% obesidade. Há muito que este assunto tem estado em cima da mesa, como um sério e complexo problema de saúde pública mundial, para o qual urge encontrarem-se soluções igualmente complexas e que unam esforços de diversas áreas e disciplinas.

Nesta altura, poderá questionar: então em plena pandemia de covid-19, vêm agora preocupar-se com o estado nutricional das pessoas? Não existem dúvidas de que a prioridade e o foco agora é esse, mas também é verdade que existem alguns aspetos relacionados com a situação atual que podem potenciar problemas anteriores, como é o caso da obesidade (que chegou a ser referida como a pandemia do séc. XXI) e, mais especificamente, da obesidade infantil. Se recuarmos a antes da pandemia, já era de conhecimento geral que uma alimentação pouco saudável, o sedentarismo e o stress são alguns dos (muitos) fatores que nos colocam em risco para o excesso de peso e desenvolvimento de obesidade. Basta agora pensar novamente nestes três exemplos (má alimentação, sedentarismo e stress) à luz do contexto atual e, certamente, será intuitivo perceber-se que existe uma forte probabilidade de estes aspetos virem a estar presentes ou intensificados.

A prevenção primária da obesidade infantil tem-se constituído como uma prioridade nacional, e prova disso são as inúmeras campanhas de sensibilização e programas de intervenção dirigidos às crianças. Estes têm-se focado sobretudo na importância dos hábitos saudáveis de alimentação e exercício físico. Mas, para a receita ficar ainda mais completa, é preciso alargar este foco para incluir outros ingredientes, igualmente essenciais no combate à obesidade infantil. É o caso dos fatores psicológicos, destacando-se aqui o papel da regulação emocional, ou seja, da capacidade para responder e lidar com o stress. Por exemplo, se nos perguntarmos o que determina o que comemos e quanto comemos, para a maioria, a resposta não será só as sensações de fome e saciedade, mas também fatores emocionais, gestão de angústias ou stress. A comida é usada nestas situações como estratégia de regulação emocional e é possível que esta estratégia possa vir a ser até aplicada para responder ou ajudar a criança a lidar com as suas próprias emoções negativas. Contudo, as crianças vão-se apropriando deste tipo de padrões de regulação emocional, aumentando a probabilidade de no futuro poderem responder ao stress da mesma forma: através da comida.

Outro fator de destaque diz respeito às práticas alimentares. Estas determinam a exposição da criança à comida e incluem repostas ao seu comportamento nos momentos de alimentação. Por exemplo, os adultos que cuidam das crianças têm um maior controlo sobre o que, quanto e quando ela come e, no contexto das refeições familiares, respondem aos seus comportamentos (e.g.: recusa em comer, preferência, quantidade) utilizando práticas alimentares que incluem, entre outras, fazer pressão para ela comer e utilizar a comida para recompensar algo que ela tenha feito, etc..

Se refletirmos sobre estes fatores psicológicos no contexto da atual pandemia, com todas as suas repercussões na vida das famílias, torna-se compreensível que as nossas capacidades para lidar com o stress e para mobilizar as melhores estratégias de gestão alimentar das crianças possam estar, de algum modo, comprometidas. No entanto, o que a investigação tem vindo a demonstrar a este nível é que, quando comprometidas, constituem dois dos mais salientes fatores de risco para a obesidade infantil. Existe ainda uma forte suspeita de que crianças em risco de obesidade infantil se encontrem em risco elevado de se tornarem jovens e adultos com obesidade e de verem comprometido o seu bem-estar físico, social e psicológico a médio e longo prazo.

É verdade que nem sempre as coisas correm como gostaríamos e nem sempre as nossas capacidades estão no seu melhor, principalmente no que se refere a famílias com crianças pequenas e aos seus momentos de alimentação, especialmente nas condições que estamos a vivenciar. Contudo, ter consciência dos fatores que influenciam e fortalecem a nossa saúde e a das nossas crianças, nomeadamente de que os comportamentos alimentares saudáveis são fatores protetores face ao desenvolvimento e agravamento de doenças, é um importante primeiro passo e um fator impulsionador, principalmente numa altura em que, mais do que nunca, as relações afetivas e a saúde de todos são o bem mais precioso.


Investigadora do Centro da Criança e da Família, William James Research Center, ISPA -Instituto Universitário