Dia 33: Uma dor para lá de todas as dores

Uma mãe/avó e uma filha/mãe falam de educação. De birras e mal-entendidos, de raivas e perplexidades, mas também dos momentos bons. Para avós e mães, separadas pela quarentena, e não só.

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@DESIGNER.SANDRAF

Bom Dia da Mãe!

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Bom Dia da Mãe!

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Não sei exactamente como se dá o processo de selecção entre almas na escolha dos filhos e das mães, mas gostava de lhe dizer que estou 100% feliz com este arranjo. Obrigada por ser exactamente como é. Tenho muita sorte!

Tenho também uma sorte infinita em poder acordar e ter todos os meus filhos aqui na terra comigo. Nestes dias não consigo deixar de pensar nas pessoas que já não têm a sorte de ter a mãe por perto. Mas, principalmente, nas mães que perderam os filhos. Seja durante a gravidez, no parto, nos primeiros meses de vida, em criança, em jovens, em adultos... 

Essa dor. Essa perda. É algo para o qual não existem palavras e que não posso fingir compreender, porque não passei por isso. Sei que, felizmente, estou do lado de fora dessa bolha onde ninguém alguma vez escolheria entrar. Mas também sei que temos de olhar para as mães que estão lá dentro. Ainda que nos tire o ar fazê-lo, ainda que acorde os nossos maiores medos, ainda que seja mais confortável imaginar que isso só acontece aos outros.

Acho que o luto em geral é extraordinariamente mal-aceite, principalmente aquele que dura mais do que uns meses. É ainda mais flagrante nos casos de mães que perderam os filhos, com uma intolerância ainda maior para as que perderam os seus bebés na gravidez/parto ou nos primeiros meses. Mesmo que sejam ditas com a melhor das intenções frases como “Mas já passou um ano, tens que andar para a frente”, “Vais ver que vais ultrapassar isto”, ou “Felizmente, tens mais filhos”, são facadas. A perda de um filho não é algo que se ultrapasse, não é algo que passe, e não é algo que se cure. Estará presente na vida daquela família, todos os segundos da vida.

Estas mães precisam de ser vistas. Precisam de poder conversar sobre os seus filhos. Precisam que aceitemos a sua tristeza e a sua dor, para que possam aprender a viver com ela, apesar dela. Merecem que ultrapassemos o desconforto de “ter de ir falar com aquela mãe que vai começar a chorar à minha frente, e vou ficar sem saber o que fazer”. É bom para elas, mas é também bom para nós que aprenderemos mais sobre nós próprios do que em qualquer curso de desenvolvimento pessoal, desses que estão tanto na moda.

Eu sei, mãe! É o dia das rosas e das selfies em família e ninguém quer ouvir falar de dor e de luto, mas sei que a mãe, como eu, tem um lugar especial para estas mães.

Love you!


Querida Filha,

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Nenhuma carta mais do que esta podia provar melhor de que só posso estar grata por me teres calhado em sorte. Obrigada.

A dor das mães que perderam um filho é uma dor para lá de todas as dores. E é porque o sabemos bem, mesmo sem termos passado por isso, que fugimos de quem acorda em nós este terror, que está sempre ali, subliminar. Por isso, desejamos que aquela mãe esconda de nós a sua perda, quanto mais depressa melhor, e desajeitadamente oferecemos-lhe uns pensos rápidos como se pudessem sequer tapar uma nesga da sua ferida.

Nas longas conversas que tive com mães que perderam os filhos para uma reportagem que fiz para a Máxima, conversas mais livres porque a coberto simultaneamente do anonimato e do papel de jornalista que ouve, mais do que comenta, fiquei com uma certeza: o pior que lhes podemos fazer é “apagar” a existência do filho que perderam. Deixar de falar dele, de dizer o seu nome, de recordar memórias e rever fotografias, de celebrar o seu nascimento, os seus feitos, de assinalar a sua morte. E é exactamente o que tendemos a não fazer, ingenuamente imaginando que talvez a mãe já tenha arrumado o assunto, e lhe prestemos um desserviço “lembrando-a” do filho que perdeu. Fazendo-a chorar, afligindo-a, quando é exactamente o contrário.

Como são loucas as nossas próprias defesas, que nos querem desesperadamente resguardar do sofrimento, sem nos deixarem perder a face.

Como dizes, estas famílias vão aprender a viver apesar da enorme perda, mas nunca vão esquecer. No Dia da Mãe, muito menos.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook e Instagram