PSA Mangualde reinventa-se com lições aprendidas em Wuhan

Grupo Peugeot-Citroën ainda não tem data para regressar ao trabalho. Aos quase 1000 trabalhadores em layoff espera-os mais de 100 medidas de segurança. Uma pequena revolução.

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Parada desde 18 de Março, e com quase 1000 trabalhadores em layoff, o Centro de Produção de Mangualde do grupo PSA (Peugeot-Citroën) ainda não tem uma data de regresso ao trabalho. Muita coisa mudou durante esta paragem. Foram aplicadas mais de 100 medidas, aproveitando as lições das três fábricas que o grupo opera em Wuhan, na China, a cidade onde esta pandemia começou.

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Parada desde 18 de Março, e com quase 1000 trabalhadores em layoff, o Centro de Produção de Mangualde do grupo PSA (Peugeot-Citroën) ainda não tem uma data de regresso ao trabalho. Muita coisa mudou durante esta paragem. Foram aplicadas mais de 100 medidas, aproveitando as lições das três fábricas que o grupo opera em Wuhan, na China, a cidade onde esta pandemia começou.

Na unidade portuguesa, que produzia em média 336 veículos por dia, pegou-se no protocolo chinês, nas regras internas e nas regras nacionais e construiu-se algo de novo. “Não havia um saber fazer, tivemos de ir construindo soluções”, explica Paulo Pereira, responsável da Unidade Técnica do Centro, um órgão de coordenação entre os diferentes departamentos.

“Tivemos muitas, muitas conversas com os nossos colegas chineses”, descreve Ricardo Batista, responsável pelo sector da montagem. “Foram muitas interacções, muitos vídeos”, acrescenta Ana Fonseca, responsável de Higiene e Segurança no Trabalho. A PSA é o segundo maior construtor europeu de carros, sendo liderado pelo português Carlos Tavares.

Jorge Magalhães, porta-voz do grupo em Portugal, diz que “nesta fase é difícil estimar o impacto” da suspensão do trabalho, que já dura há 35 dias. “Será fundamental retomarmos o mais cedo possível, mas estamos aqui a lidar no mínimo com três crises: uma de saúde, outra social e a económica. Em termos de saúde, está tudo pronto”, acrescenta o mesmo responsável. Falta o resto.

O que espera os cerca de 1000 trabalhadores é pouco menos do que uma transformação total. A tal ponto que a mudança começará na casa deles. De manhã e à noite, terão de medir a temperatura corporal e registá-la numa ficha que têm de mostrar à entrada. Quem tiver febre ou sintomas irá para uma das três salas de isolamento.

Cada um terá de ir para a fábrica já equipado, com excepção dos que trabalham na pintura. A viagem deve ser feita em isolamento. A empresa pede que se evitem boleias. Se tiver de ser, duas pessoas por carro, no máximo. E sentadas na diagonal, condutor à frente, passageiro atrás.

Cada um terá também um kit com máscaras (quatro por dia), álcool em gel (100 ml) óculos e viseiras, quando for necessário.

É uma “mudança substancial de comportamento”, admite Paulo Pereira. “Tudo isto vai mudar, tal como já aconteceu nas nossas vidas. Já não imagino ir às compras sem máscara ou não ter o desinfectante por perto dentro do carro”, resume.

O trabalho no chamado chão de fábrica mudará muito mais do que para quem está em teletrabalho: um novo mundo, com muitas limitações, igual dose de cuidados e uma gigantesca lista de requisitos. É quase um mal necessário, para assegurar dois bens, observa Álvaro Garcia Escobar, director de Recursos Humanos desta unidade: “a saúde dos trabalhadores” e “a sustentabilidade do negócio”.

Garantir a distância física obriga a uma pequena “revolução”. “Foi preciso redesenhar todos os fluxos”, descreve Ana Fonseca, que chefiou a equipa que ajustou o protocolo de inspiração chinesa à realidade portuguesa.

À entrada, é medida a temperatura a cada um. Os movimentos e deslocações foram todos previstos e redesenhados, com nova sinaléctica em todo o lado. Há setas a indicar a direcção dos fluxos. Há quadrados vermelhos que são “boxes” para se esperar e evitar cruzamentos. Há cruzes amarelas que marcam a distância de segurança.

Na cantina, desapareceram lugares e a comida terá de vir de casa. Porém, outros espaços foram transformados para garantir a todos um lugar sentado na hora da refeição.

Vai ser preciso dar tempo para se assimilar esta nova vida numa fábrica. Até por isso, a PSA prevê um regresso “gradual”. Primeiro um turno, depois o segundo e, quando tudo estiver oleado, por fim o da noite. Os 300 trabalhadores de cada turno têm um grande ajustamento pela frente.

Antes, tinham duas paragens por turno. Agora passarão a ter seis. Além da interrupção maior para refeições, haverá outras cinco, mais curtas, para socializar e para cada um desinfectar posto de trabalho e ferramentas.

À espera da retoma

O primeiro protocolo chegou a Portugal no dia seguinte à suspensão da laboração. Desde então, foram pensadas e testadas soluções. O plano final foi testado, mas tudo será posto à prova quando houver 300 pessoas em circulação. A direcção-geral do grupo deu luz verde, trabalhadores, sindicatos, inspectores da ACT também participaram. A equipa médica da PSA, as autoridades nacionais de saúde, foram dois parceiros igualmente importantes.

Se está tudo pronto, por que se espera pelo regresso? Jorge Magalhães salienta que a data depende da existência de matéria-prima ou componentes; e da liberdade de poder escoar e comercializar a produção.

“Precisamos de uma visão 360 [graus] sobre o aspecto económico desta crise, temos de olhar para a oferta e para a procura”, afirma. “É importante ter capacidade de aprovisionamento, mas tudo depende da liberdade que vier a ser dada às empresas que cumpram todos os requisitos”, anota.

Mangualde está abastecida, mas as cadeias terão de acompanhar as mudanças e ainda não foram testadas. Mais uma razão para começar devagar, salienta Ricardo Batista.

Por outro lado, esta unidade depende muito do estrangeiro, já que exporta quase tudo o que faz, sobretudo veículos comerciais. “O ideal era que a reabertura dos mercados europeus acontecesse em simultâneo. Para já, retomámos na China. Na Europa continua tudo parado”, aponta Jorge Magalhães.

Mangualde é o exemplo da transformação industrial que ninguém previa e que está a acontecer sem guião prévio. A PSA colabora com o CEIIA e com o Politécnico de Viseu no desenvolvimento de material médico. E as viseiras que vai dar aos trabalhadores foram feitas em Seia, por um empresário que as produz e oferece a empresas e pessoas da região. Sensibilizada por este gesto, a direcção portuguesa da PSA acabou por fazer uma encomenda volumosa. E com esse pagamento assegura que o empresário pode continuar pro bono a fazer viseiras para outros.

Paulo Pereira puxa de uma frase habitual em Mangualde. “Aqui na PSA fazemos de tudo. Até carros.”