Em Cascais, um teste rápido ao domicílio ajuda a detectar os casos “invisíveis” da covid-19

Autarquia colocou em campo um projecto para tentar detectar a presença da covid-19 em casos assintomáticos. Universo abrange 400 moradores escolhidos de forma aleatória através das facturas da água.

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Maria Cristina Oliveira está na parte exterior da sua casa, em Cascais, com o indicador da mão esquerda estendido, à espera da pequena picada que irá dizer-lhe, cerca de 10 minutos depois e através da presença de anticorpos, se foi ou não infectada com novo coronavírus. Não que esta dentista de 53 anos, de nacionalidade brasileira e a residir em Portugal desde 2013, tenha sintomas ligados à covid-19.

Neste caso, foi o teste de despiste que foi ao encontro da pessoa, de forma gratuita e por mero acaso. Maria Cristina é uma das 400 pessoas seleccionadas de forma aleatória para um projecto-piloto da Câmara de Cascais cujo objectivo, de acordo com a autarquia, é “saber como está a propagar-se o coronavírus no concelho”. Para o efeito, estão a ser usados os testes de uma empresa norte-americana, a Healgen, que, por sua vez, é detida pela chinesa Zhejiang Orient Gene Biotech.

A ideia, sintetiza o vice-presidente da câmara, Miguel Pinto Luz, “é saber se há, ou não, muitos casos de pessoas assintomáticas”, isto é, que tenham apanhado o vírus sem o saber, por ausência de sintomas, e conseguir um número de contactos com a doença mais aproximado da realidade. “Isto é algo que não está a ser feito em mais lado nenhum”, destaca o autarca, afirmando que informou a Direcção-Geral de Saúde da iniciativa.  

De olho no teste está Eddie Nobre, paramédico que antes medira a febre a Maria Cristina com uma pistola de leitura da temperatura corporal à distância. Voluntário de 46 anos da Paramédicos de Catástrofe Internacional, uma Organização Não Governamental associada ao projecto, Eddie é o membro da equipa organizada pela câmara que assume mais protagonismo, e a quem compete fazer e relatar o resultado do estudo. Ao seu lado está uma técnica da autarquia, Sofia Lopes, incumbida de preencher um questionário sobre eventuais sintomas e de informações sobre o perfil das pessoas enquanto o tempo de espera do teste se aproxima do fim.

Sentimentos de alívio

O projecto arrancou na quinta-feira da semana passada, e quando o PÚBLICO acompanhou a equipa de testes já estava a entrar em velocidade cruzeiro: são seis equipas, com cerca de oito casos por dia cada uma.

Entretanto, Maria Cristina já conheceu o resultado do seu teste: deu negativo e serviu para a deixar “mais descansada”. Até ao final do dia, ninguém acusará a presença do vírus. Se fosse detectado um caso positivo, teria de ser logo reencaminhado para a Linha de Saúde 24, e “gerido pelas autoridades competentes”.

Segue-se outra moradora de Cascais, Tatiana Costa, também ela de nacionalidade brasileira e escolhida para o denominado “teste rápido de anticorpos IgM/IgG”. Dos cinco casos acompanhados pelo PÚBLICO, esta advogada de 33 anos, a residir há três em Portugal, foi a única que afirmou que as suas rotinas “não mudaram” com a conjuntura do vírus. Vai trabalhar todos os dias sem máscara — está numa sala sozinha –, mas, mesmo assim, é inegável que algo mudou: está a falar com a equipa com uma máscara no rosto, adereço que esteve sempre presente em todas as pessoas contactadas.

Dados analisados e publicados 

Os membros do projecto chegaram às casas de Maria Cristiana e de Tatiana tal como chegaram às das outras pessoas: por um processo aleatório elaborado através das facturas da água do município. Uma vez feita a selecção, há um contacto telefónico para explicar o programa, pedir autorização e marcar o encontro. Pelo meio, muitos suspeitam de um esquema fraudulento, e alguns acabam por recusar.

A teoria do sistema aleatório passa ainda por escolher, das pessoas que moram na casa seleccionada, qual foi a última a fazer anos. Uma vez recolhidos os dados, que são confidenciais, estes serão analisados por uma empresa especializada em estudos de mercado, a Pitagórica.

Depois desta primeira vaga – estão previstos mais testes nos próximos meses, de acordo com Miguel Pinto Luz — os resultados serão publicados, explicita a autarquia, com “uma margem de erro máxima de +/-5% para um nível de confiança de 95,5%”.

Afsanneh, uma psicanalista de 62 anos que nos últimos 11 anos tem dividido o seu tempo entre São Paulo e Cascais, é uma das pessoas que terá os seus dados analisados, e que com o resultado negativo diz ganhar uma “segurança”. Mas sempre com o sentimento, sublinhado pela equipa técnica, de que é preciso não baixar a guarda.

Enquanto o resultado final não surge, Eddie aproveita para dar alguns conselhos, alguns dos quais ouvidos pela primeira vez. É o caso de João Melo, bancário de 41 anos, que, com a sua mulher ao lado, enquanto dois filhos brincam e outro dorme a sesta, aprendem que se deve limpar os produtos comprados no supermercado com, por exemplo, uma mistura de 1/5 de lixivia com água, e que não chega uma quarentena de curta duração na despensa. Já no caso dos frescos, a sua limpeza envolve um banho de vinagre com água.

Os hábitos da família, diz João Melo, mudaram “radicalmente” e agora o horizonte de um passeio acaba ao final da rua. “É uma forma de viver bastante chata”, sintetiza, de forma diplomática.

Lília Franco, de 40 anos e auxiliar de acção médica, foi a última a fazer o teste na tarde de segunda-feira, e a ouvir a recomendação de usar a máscara também na rua, além dos espaços fechados. Por trabalhar numa unidade hospitalar, e com o filho e marido ao seu lado na sala de estar – há vários dias que os dois não saem de casa – havia o receio do contágio. Agora, “fica mais descansada” com o resultado negativo, cujo resultado tem um rigor de 98,6%, de acordo com Eddie.

Estes testes são diferentes dos testes de diagnóstico efectuados nos centros de rastreio, com acesso a laboratórios, e onde se recolhem amostras do nariz e da garganta com uma zaragatoa (semelhante a uma cotonete). Os testes laboratoriais detectam a presença do vírus muito mais cedo, enquanto os testes do projecto-piloto de Cascais só permitem, como explica o vice-presidente, Miguel Pinto Luz, detectar com eficácia “sete a 15 dias após a contaminação”.

Dos dados oficiais, o que se sabe deste concelho do distrito de Lisboa é que, até sexta-feira havia 280 casos confirmados de infecção com o novo coronavírus de acordo com a Direcção-Geral de Saúde. Tendo por base os dados de 2018 da população residente estimados pelo INE para esse ano, estes 280 casos equivalem a 0,13% do total dos moradores no concelho.