“Buzinão” no aeroporto e apelos à desobediência a Lisboa. Como a Madeira está a viver a chegada do coronavírus

Autoridades madeirenses pedem medidas mais fortes no dia em que foi confirmado o primeiro caso de coronavírus no arquipélago.

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Autoridades madeirenses pedem controlo na ilha devido ao coronavírus LUSA/HOMEM DE GOUVEIA

A falta de resposta aos apelos feitos pelo presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, primeiro ao Primeiro-ministro e depois ao Presidente da República, para fechar os aeroportos do arquipélago a todos os voos não essenciais (com excepção do transporte de mercadorias e de doentes), tem motivado fortes protestos na região autónoma.

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A falta de resposta aos apelos feitos pelo presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, primeiro ao Primeiro-ministro e depois ao Presidente da República, para fechar os aeroportos do arquipélago a todos os voos não essenciais (com excepção do transporte de mercadorias e de doentes), tem motivado fortes protestos na região autónoma.

Uma das vozes mais audíveis, além da do próprio Albuquerque, tem sido o antigo vice-presidente do parlamento madeirense e do governo regional, Miguel de Sousa, que pela rede social Facebook tem apelado à acção contra o funcionamento do aeroporto. “Por mim ocupamos o aeroporto”; “Se bloquearmos as estradas à volta do aeroporto, saem os trabalhadores e, se não entrar ninguém, o aeroporto está fechado”; “Lisboa não pode desrespeitar a vontade do povo da Madeira e Porto Santo” ou “Se o Costa não fecha, fechamos nós!”, foram algumas das mensagens que Miguel de Sousa foi publicando nos últimos dias, que culminaram, na segunda-feira, com uma convocatória: “Aeroporto 20 horas”.

“A intenção nunca foi invadir o aeroporto, nem nada que se pareça. O que quisemos fazer foi um ‘buzinão’ pacífico, de forma a mostrar que estamos a apoiar as medidas que estão a ser tomadas e defendidas pelo governo regional”, disse ao PÚBLICO o antigo deputado e secretário regional, ironizando com o forte dispositivo policial montado pela PSP.

Os agentes montaram um cordão policial junto à zona de chegadas do Aeroporto da Madeira Cristiano Ronaldo, impedindo a concentração. “Os objectivos foram conseguidos porque fizemos duas mobilizações. Uma de muitos carros, com muita gente a apitar, muita gente a manifestar o seu repúdio pelo Primeiro-ministro não aceder às petições que o governo regional tem feito. Outra mobilização foi a polícia toda da Madeira ali a proteger o aeroporto contra estes perigosos agressores”, disse no final aos jornalistas, insistindo ao PÚBLICO na necessidade fechar já os aeroportos regionais.

“Do ponto de vista da saúde pública, as regras não podem ser as mesmas para todas as regiões, porque há zonas melhor preparadas do que outras. Não sei se o sistema regional de saúde tem capacidade para enfrentar um surto de grandes proporções, por isso é imperioso fechar o aeroporto”, argumentou.

Quando a manifestação foi feita, segunda-feira à noite, não era ainda conhecido o primeiro caso positivo de covid-19 no arquipélago – uma turista holandesa de 61 anos que viajou para o Funchal na última quinta-feira –, depois da confirmação, esta manhã, da chegada do vírus à região, Miguel de Sousa voltou às redes sociais. “Um estrangeiro infectado na Madeira. Quem é o responsável? O vírus ou o Costa?”, escreveu.

Também Carlos Rodrigues, deputado do PSD no parlamento madeirense, tem-se socorrido das redes sociais para criticar a falta de respostas da República. “Apelo à desobediência total em relação a Lisboa. Se não deixam fechar o aeroporto, obriguemos todos os que cheguem a ficar isolados com vigilância directa nem que para isso tenhamos que requisitar espaços para tal. Passageiros e Tripulantes”, publicou durante o fim-de-semana. Esta terça-feira, depois de ter sido conhecido o caso da turista holandesa, que terá percorrido vários pontos da ilha, e de notícias dando conta de turistas a desrespeitar a ordem de quarentena, voltou a escrever. “Só vai com recolher obrigatório de todos os estrangeiros e deambulantes que não tenham necessidade de ir à rua. Não é conselho, é ordem.”

A empresa pública de transportes públicos do Funchal seguiu à letra. Ao final da manhã, emitiu um comunicado indicando que todos os turistas estrangeiros estavam impedidos de entrar nos autocarros da empresa. “Face às últimas medidas tomadas pelo governo regional da Madeira e com efeito imediato, informa-se que todos os turistas que não possuam cartão de identificação português, o acesso ao Transporte Público da Horários do Funchal e da Companhia de Carros de São Gonçalo, encontra-se interdito”, informou a empresa em comunicado, recuando duas horas depois, através de nova nota de imprensa.

“Tendo em conta que o Grupo Horários do Funchal, encontra-se a desenvolver todos os esforços para garantir a segurança de colaboradores e utilizadores, nomeadamente com a desinfecção de todos os autocarros, a qual garante a sua eficácia durante uma semana bem como a já implementada limitação da lotação a 50%, não existe necessidade, por agora, de adoptar medidas extraordinárias, pelo que iremos continuar a transportar todos aqueles que se encontrem em território madeirense, garantido que todos têm acesso aos serviços essenciais”.

Albuquerque, numa conferência de imprensa realizada durante a manhã, tinha anunciado um reforço das medidas de prevenção e contenção da transmissão do novo coronavírus, insistindo que este não é o momento para fazer turismo na ilha. “Comunicaremos novamente às embaixadas, a necessidade mandatória de procederem ao repatriamento dos seus concidadãos turistas que ainda permanecem na região, com a maior brevidade possível”, frisou, depois de anunciar o fim imediato de todas as actividades de animação turística na região: excursões, passeios, visitas guiadas e aluguer de automóveis (rent-a-car). A ordem, repetiu, é para permanecer nos hotéis, até serem repatriados.

Durante tarde, o executivo reuniu na Quinta Vigia, sede da presidência do governo madeirense, com representantes das Forças Armadas e de segurança na região autónoma, para articular a aplicação das medidas anunciadas, que reforçam as restrições no acesso e entrada a espaços públicos.

A turista holandesa, explicou o delegado de saúde regional, Maurício Melim, ao final da tarde, chegou à Madeira assintomática, integrada num grupo de turistas holandeses. No domingo, queixou-se de cansaço físico e após manifestar sintomas, foi hospitalizada na segunda-feira.

O resultado positivo ainda aguardava validação do Instituto Ricardo Jorge, e foram já realizados mais 18 testes a pessoas que estiveram em contacto com a turista infectada, que aguardam resultados.