Aeroporto de Lisboa: o imperativo de corrigir um erro

Os acidentes ocorridos recentemente com aviões de médio-curso deveriam fazer soar um alarme sobre a proposta da Vinci para a nova pista no aeroporto do Montijo.

Foto

Portugal espera há 50 anos por um novo aeroporto de Lisboa e não por uma pista pequena, sem as distâncias mínimas aconselháveis de segurança na aterragem. Para analisar este tema é importante ter em conta:

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Portugal espera há 50 anos por um novo aeroporto de Lisboa e não por uma pista pequena, sem as distâncias mínimas aconselháveis de segurança na aterragem. Para analisar este tema é importante ter em conta:

  • É estimado que o movimento aéreo em Lisboa aumente de 30 milhões de passageiros atualmente para 65 milhões até 2062;
  • A proposta da Vinci consiste em construir no Montijo uma pista de dimensões reduzidas e que apresenta sérias limitações de segurança na aterragem;
  • Esta pista de pequenas dimensões obriga a manter a maioria do tráfego na Portela (~75% do total, incluindo o longo-curso), o que afeta a saúde de mais de 300.000 pessoas na zona de Lisboa e Loures devido ao ruído e gases poluentes emitidos, e aumenta o risco de acidentes sobre áreas densamente povoadas.

A pista que está planeada para o aeroporto do Montijo tem um défice de 610m na distância de segurança na aterragem

Os acidentes no fim-de-pista são os mais frequentes e não surgem apenas por uma razão – “a aeronave viu-se forçada a sobrevar mais alto o ponto de aterragem”, “o vento estava por trás”, “estava a chover”, etc. –; nestes casos, a dimensão da pista e da sua margem de segurança é crítica para evitar consequências graves.

Os acidentes ocorridos recentemente com aviões de médio-curso deveriam fazer soar um alarme sobre a proposta da Vinci para a nova pista no aeroporto do Montijo e lembrar-nos dos riscos que estas pistas representam: nem há um ano em Jacksonville, EUA, um avião caiu na água depois de esgotar os 2750m de pista; no mês passado, no Irão, um avião terminou numa estrada depois de esgotar os 2800m da pista; mais recentemente, em Istambul, na Turquia, um avião caiu numa ribanceira depois de esgotar os 3070m (mais 930m do que o disponível no Montijo).

A extensão mínima de pista hoje em dia recomendada na aterragem em aeroportos para voos de médio-curso é de 2450m. Esta é a extensão que tem a pista de Faro e que, por exemplo, o governo francês impôs recentemente no aeroporto de Nantes (concessão também Vinci). Com uma faixa RESA (Runway End Safety Area) superior a 300m, as aeronaves devem ter no mínimo uma distância disponível superior a 2750 m antes de embater num obstáculo ou cair. A pista que se propõe construir no Montijo tem uma distância total na aterragem de 2140m, o que fica muito aquém do necessário.

O problema da pista do Montijo é a distância de 2140m de segurança na aterragem e o facto de esta ser inalterável

A pista do Montijo está limitada em comprimento a Norte e a Sul. A Norte, devido ao muro de suporte que será necessário construir para manter o uso da estrada militar. A Sul, devido à Superfície Livre de Obstáculos necessária no canal navegável. Mesmo que a pista crescesse para Sul, a soleira de aterragem não se poderia mover, continuando a 900m do bordo do canal, para preservar uma altura livre de 18m na aproximação das aeronaves (tal como em Veneza). O caso do Montijo é ainda mais exigente devido às dimensões em altura das embarcações que navegam no canal. O regulamento ICAO (International Standards and Recomended Practices – Anexo 14) é claro no seu art.º 10.1.1: “mobile objects (vehicles on roads, trains, etc) at least within that portion of the approach area within 1200 m longitudinally from the threshold.”

Na proposta da Vinci, o Montijo terá uma pista com uma distância de segurança na aterragem de 2140 m até ao ano de 2062 (termo da concessão da Vinci), o que representa um défice de segurança inaceitável numa pista onde se quer movimentar 17 milhões de passageiros em aeronaves maiores, transportando em média perto de 200 passageiros (actualmente 130).

Esta pista terá, grosso modo, um custo direto de construção de 100 milhões de euros (65 milhões indicado no Estudo de Impacto Ambiental mais a substituição de aterro por plataforma de betão sobre estacas). O custo da pista e da mudança militar significa um total de 250 milhões de euros numa pista com menos 300m de distância de segurança na aterragem que a pequena pista do aeroporto de Ponta Delgada.

Uma alternativa em Alverca

A envolvente da base aérea de Alverca permite a construção de uma nova pista paralela à atual da Portela, no mouchão da Póvoa, atualmente degradado devido à inundação por água salgada, junto da margem do rio Tejo. Esta pista teria um alinhamento sobre plano de água nos dois lados, uma extensão de 4200m e uma largura de 75m, disposição que ofereceria o mais elevado nível de segurança tanto em termos de saída de fim-de-pista ou saída lateral, como em termos da população de Lisboa.

Esta nova pista permitiria a construção de um hub com quatro pistas, duas em Alverca (uma já existente) e duas na Portela (que já existem). Alverca e Portela funcionariam como dois núcleos interligados por um comboio ligeiro automático.

A área do núcleo de Alverca seria de 1200ha (similar à do aeroporto do Dubai), o que teria capacidade para absorver 75% do tráfego, incluindo os voos de longo-curso.

O projeto que propomos conta com uma pista híbrida, com parte em solução de estrutura em betão armado (1400m), igual à do aeroporto da Madeira mas de menor altura, desenvolvida pelo engenheiro Segadães Tavares.

O custo total estimado da construção da pista em Alverca seria inferior a 150 milhões de euros, face aos 250 milhões de euros da pista no Montijo.

A solução hub Alverca-Portela está a ser desenvolvida desde 2016 e foi apresentado à tutela no ano seguinte. Foi entregue também uma “Avaliação Ambiental Estratégica” no final de 2018 e disponibilizada em www.hubalvercaportela.com para consulta pública. Em Janeiro de 2019 foi formalizada a candidatura a “Alternativa do Concedente ao NAL”, que é uma figura prevista no contrato de concessão para a eventualidade da concessionária apresentar uma alternativa que não satisfizesse as condições mínimas, o que é o caso.

Há sempre tempo para priorizar a segurança e saúde das pessoas e optar por outro caminho 

Com o hub Alverca-Portela, a capital do país poderá ter um aeroporto com um excelente nível de serviço e segurança, que respeite o bem-estar dos habitantes da cidade e com uma operação eficiente e de qualidade.

Com a solução que propõe a Vinci, quem assumirá a responsabilidade se ocorrer um acidente de fim-de-pista no Montijo, ou no último quilómetro antes de aterrar na Portela? Será quem propõe a solução, quem a defende, quem a aprova, ou seremos todos nós que fomos coniventes?

José Furtado, Engenheiro Civil, Especialista em Planeamento Estratégico de Infraestruturas de Transporte;
António Gonçalves Henriques, Engenheiro Civil, Professor do IST, ex-presidente da Agência Portuguesa do Ambiente;
Ricardo Reis, Professor da Universidade Católica de Lisboa;
Rui Vallejo de Carvalho, Professor da Universidade Católica de Lisboa;
António Segadães Tavares, Engenheiro Civil, autor dos projetos premiados da ampliação do aeroporto da Madeira e do Pavilhão de Portugal da Expo 98, entre outros;
António Carmona Rodrigues, Engenheiro Civil, Professor da UNL, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa;
Fernando Nunes da Silva, Engenheiro Civil, Urbanista, Professor do IST;
Luís Póvoa Janeiro, Professor da Universidade Católica