João Malaca Casteleiro (1936-2020), mais do que obreiro do acordo ortográfico

Ficará conhecido como o ‘pai’ do Acordo Ortográfico, mas o seu papel na coordenação do dicionário da Academia das Ciências é talvez a sua grande marca. João Malaca Casteleiro tinha 83 anos. Não foram para já adiantados pormenores sobre as cerimónias fúnebres do linguista.

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MIGUEL MADEIRA/MIGUEL MADEIRA

O linguista João Malaca Casteleiro, coordenador do dicionário da Academia das Ciências e figura central do novo Acordo Ortográfico, morreu na sexta-feira, aos 83 anos, no Hospital da Cruz Vermelha, onde estava internado, confirmou neste domingo ao PÚBLICO o jornalista e investigador António Valdemar, amigo do professor catedrático.

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O linguista João Malaca Casteleiro, coordenador do dicionário da Academia das Ciências e figura central do novo Acordo Ortográfico, morreu na sexta-feira, aos 83 anos, no Hospital da Cruz Vermelha, onde estava internado, confirmou neste domingo ao PÚBLICO o jornalista e investigador António Valdemar, amigo do professor catedrático.

Pela exposição mediática do Acordo Ortográfico, é provável que venha a ser recordado por ter sido um dos principais responsáveis pela elaboração do respectivo acordo em 1990 – que viria a entrar em vigor em Portugal em 2009. Mas para quem com ele privou, e acompanhou o seu percurso profissional, mais significativa foi a coordenação científica do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, que viria a ser publicado em 2001, resultante de 12 anos de trabalho.

“Ele coordenou, e interveio activamente, na elaboração do dicionário que estava há 200 anos parado, o que é uma grande marca”, reflecte António Valdemar. “O [Almeida] Garrett dizia que o dicionário começava em A e tinha acabado em ‘azurrar’. Depois o [crítico literário, ensaísta e professor] Jacinto Prado Coelho fez uma tentativa, há cerca de 50 anos, de um 1.º volume para não acabar em ‘azurrar’, e o [linguista] Lindley Cintra fez uma diligência, mas quem concluiu o dicionário foi o Malaca Casteleiro. Havia uma espécie de maldição que vinha desde o tempo do Garrett e a sua acção foi determinante.”  

À terceira, foi de vez. Em 1793, fez-se uma primeira tentativa, mas foi compilado só o primeiro volume. Em 1956, o projecto foi retomado, mas, por falta de financiamento, não se cumpriram os objectivos. E em 1988, finalmente, com Malaca Casteleiro, o projecto ganhou vida novamente, graças ao apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, em colaboração com o Ministério da Educação. “Foram precisos 12 anos para compilar todas as palavras”, dizia Malaca Casteleiro, em 2001, ao PÚBLICO. “São quatro mil páginas, com 70 mil entradas lexicais, divididas em dois volumes.”

Mas como se escrevia no PÚBLICO na época, passada uma semana do lançamento o dicionário já estava envolto em polémica e foi contestado por outros especialistas.

Com as investigadoras Maria de Lourdes Crispim e Maria Francisca Xavier, João Malaca Casteleiro trabalhou também no Dicionário da Língua Portuguesa Medieval.

No Acordo Ortográfico defendeu que a unificação do português era uma medida de pragmatismo que visava, acima de tudo, promover a língua portuguesa no mundo, ao mesmo tempo que facilitaria “a comunicação entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.” Em 2008, dizia ao PÚBLICO que no “plano da lusofonia interna é lamentável que não exista um acordo”, argumentando que a língua portuguesa “é a única com duas variantes que têm de ser traduzidas nas Nações Unidas.”

Apesar das polémicas que enfrentou, recusou sempre qualquer cenário de se voltar atrás, mantendo-se como defensor do Acordo, do qual foi o principal responsável da Academia das Ciências de Lisboa, pela elaboração do documento e autor do anexo de seis páginas que o encerra, acreditando que poderia “fortalecer a lusofonia” e “promover o idioma em todos os países” e organismos internacionais. “Ele deu o seu contributo para o acordo, que não é perfeito, mas nenhum acordo o é. Assumiu uma posição sujeita a todas as controvérsias. Mas espero que não seja recordado apenas por isso”, sintetiza António Valdemar.

Natural de Teixoso, Covilhã, licenciou-se em Filologia Românica em 1961, tendo obtido o doutoramento pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa em 1979, com uma dissertação sobre a sintaxe da língua portuguesa. Professor catedrático naquela faculdade desde 1981 e membro da Academia das Ciências de Lisboa, foi também director de investigação do Centro de Linguística da Universidade de Lisboa, conselheiro científico do Instituto Nacional de Investigação Cientifica e presidiu ao Conselho Científico da Faculdade entre 1984 e 1987. Foi ainda presidente do Instituto de Lexicologia e Lexicografia entre 1991 e 2008. Em 2001 foi feito grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

A 5 de Maio próximo, no Dia Mundial da Língua Portuguesa, no âmbito de um colóquio a efectuar na Academia das Ciências, em Lisboa, António Valdemar irá realizar uma intervenção de evocação a Malaca Casteleiro. “Tinha proposto ao professor Telmo Verdelho, que preside à comissão, que se fizesse isso há algum tempo. Agora é importante salientar a importância da sua obra, sobretudo a coordenação do dicionário.”

Não foram, para já, adiantados pormenores sobre as cerimónias fúnebres.