“São Valentim que nos perdoe”: violência no namoro está em exposição

São lenços dos ex-namorados e querem alertar para o problema da violência no namoro. Ainda que visibilidade deste problema tenha aumentado, Daniel Cotrim considera que continua a haver por parte das vítimas “uma desvalorização”.

Fotogaleria

Esta é uma notícia sobre namoro, mas de amor tem pouco. “Onde há violência, não há romance” diz o cartaz da exposição “São Valentim que nos perdoe”, que quer chamar a atenção para a violência no namoro. Até 16 de Fevereiro, os lenços dos ex-namorados podem ser vistos na loja Fnac do Centro Comercial Colombo, em Lisboa.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Esta é uma notícia sobre namoro, mas de amor tem pouco. “Onde há violência, não há romance” diz o cartaz da exposição “São Valentim que nos perdoe”, que quer chamar a atenção para a violência no namoro. Até 16 de Fevereiro, os lenços dos ex-namorados podem ser vistos na loja Fnac do Centro Comercial Colombo, em Lisboa.

Um estudo da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) publicado em 2019 conclui que 58% dos jovens que estiveram numa relação de intimidade reportaram situação de violência. Há ainda outro número alarmante: 67% aceita como natural pelo menos uma forma de violência na intimidade.

Para assinalar a inauguração da exposição, a Fox Life convidou um painel de oradores para debater a violência no namoro. Nas paredes da sala, os lenços dos ex-namorados captam a atenção de todos. “Se para ti amor rima com dor, andor”, pode ler-se num dos quadros. As 20 peças, inspiradas nos lenços dos namorados típicos do Minho, foram bordados pelo projecto de inclusão social “A Avó veio trabalhar”.

O jornalista Paulo Farinha modera o debate. Ao seu lado estão o psicólogo Daniel Cotrim, responsável pela violência doméstica e de género na APAV; o humorista Diogo Faro, fundador do movimento #nãoénormal; a apresentadora Inês Lopes Gonçalves, a ilustradora Clara Silva (autora de um dos lenços dos ex-namorados) e o psicólogo Eduardo Sá, especialista em família.

“Um atentado à vida de forma tentada”

Daniel Cotrim começa por alertar que o namoro “é bom e recomenda-se”. No entanto, desde 2013, as queixas de violência no namoro aumentaram 25%. “Não se trata de um aumento de criminalidade, mas da visibilidade”, explica o psicólogo da APAV.

Ainda que a visibilidade tenha aumentado, Daniel Cotrim considera que continua a haver, por parte das vítimas, “uma desvalorização”. Clara Silva, ilustradora que assina como Clara Não, confidencia que viveu uma relação abusiva e garante que as vítimas “desculpam o próprio agressor”. Em Agosto de 2019, publicou o seu primeiro livro Miga, esquece lá isso com ilustrações sobre o amor-próprio.

O problema está também no que os jovens entendem por violência: “Controlo de redes sociais, das amizades, da forma de vestir, não é entendido como violência”, sublinha Daniel Cotrim. A apresentadora Inês Lopes Gonçalves aponta que “a comunicação social não trata a violência no namoro” e sugere os espaços de opinião como uma ferramenta importante para dizer que estes comportamentos “não são normais”.

“Quem violenta faz um atentado à vida de forma tentada”, analisa Eduardo Sá. O professor da Universidade de Coimbra alerta que “todas as pessoas que não sabem o que fazer à agressividade são muito mais doentes do que podem parecer e precisam de ajuda”.

Os pais e as escolas

A educação das crianças pode ter um papel fundamental na prevenção da violência no namoro. “A agressividade é um património da humanidade, tão natural como a sede. As crianças precisam de andar à bulha”, defende Eduardo Sá.

Inês Lopes Gonçalves tem dois gémeos com quatro anos e acredita que “mais do que possa dizer, o melhor é dar o exemplo”. Eduardo Sá acredita que a educação dada às crianças hoje “cria panelas de pressão” e incita os pais a deixarem as crianças brincarem na rua e “andarem à bulha”. “A agressividade é património da humanidade, ‘é tão natural como a sede’”, diz.

Na violência no namoro, os pais desempenham um papel fundamental. “Os pais andam mais distraídos do que deviam”, alerta Eduardo Sá, acrescentando que “quando os pais percebem que há uma mudança no comportamento, devem tornar esse assunto urgente”.

O psicólogo da APAV, Daniel Cotrim, lamenta que não existam “procedimentos claros de como tratar a violência na escola”. Diogo Faro, que fundou movimento #nãoénormal, relata que recebe muitas mensagens de raparigas, nas redes sociais, que são vítimas de violência dentro da escola, e relatam que os professores não acreditam nelas. “Há um julgamento constante da vítima”, lamenta o humorista.

“A escola é um espaço de aprendizagem da violência” quando devia “ser um espaço seguro”, sublinha Daniel Cotrim. O psicólogo da APAV conta que “ninguém quer ter a responsabilidade” pela violência no namoro.

O jornalista Paulo Farinha assinala que se as mensagens dos lenços dos ex-namorados “influenciarem alguém, já terá valido a pena”. Com o Dia dos Namorados à porta, já na próxima sexta-feira dia 14, a exposição “São Valentim que nos perdoe” quer deixar bem claro que “o amor não pode rimar com dor”. 

Texto editado por Bárbara Wong