Para lá de Bagdad

A agenda interna do Irão e dos EUA vai contribuir para uma maior distensão do conflito, mas duas questões permanecerão numa latente tensão: o retomar do programa nuclear do primeiro e a presença de tropas do segundo no Iraque.

A unidade da sociedade iraniana na condenação do assassínio do general Qassem Soleimani esboroou-se quando Teerão assumiu que o avião ucraniano que se despenhara na semana passada tinha sido abatido por um erro humano. Não há patriotismo que resista à descoberta da mentira, que as autoridades mantiveram durante três dias. Outro erro humano.

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A unidade da sociedade iraniana na condenação do assassínio do general Qassem Soleimani esboroou-se quando Teerão assumiu que o avião ucraniano que se despenhara na semana passada tinha sido abatido por um erro humano. Não há patriotismo que resista à descoberta da mentira, que as autoridades mantiveram durante três dias. Outro erro humano.

Os protestos contra o regime, alimentados no passado por causa da subida dos preços dos combustíveis, depois de uma curta acalmia, voltaram agora com mais força. Foram sobretudo os universitários que vieram para as ruas neste fim-de-semana exigir o impensável no Irão: o afastamento do ayatollah Ali Khamenei. A resposta do regime foi a mesma de sempre: a repressão.

O resultado desta mentira, ao contrário do que se poderia pensar depois do ataque com mísseis a uma base no Iraque, só enfraquece um regime que já não é capaz de esconder as suas divisões entre o poder religioso, o poder eleito, o Exército e a Guarda Revolucionária. As divisões ficaram bem patentes quando responsáveis desta última criticam o Governo e as forças armadas por não terem ordenado o fecho do espaço aéreo a voos civis naqueles dias de maior tensão.

A instabilidade em Teerão é a melhor notícia que poderia ter recebido Donald Trump, cujo processo de impeachment poderá começar a ser julgado esta semana no Senado. O caricato abandono dos EUA do Iraque, anunciado oficialmente e desmentido logo de seguida, e a não menos caricata ameaça de bombardeamento de dezenas de lugares de importância na cultura persa, que Pompeo logo negou, ou queriam dizer que havia uma estratégia de zigue-zague na Sala Oval ou que estávamos apenas diante de uma série de decisões avulsas que nada tinham de estratégicas. A estratégia é mais a de Riad e a de Telavive do que a de Washington.

A agenda interna do Irão e dos EUA contribuirá, nas próximas semanas, para uma maior distensão do conflito, mas duas questões permanecerão numa latente tensão. A permanência dos EUA no Iraque tornou-se mais delicada a vários níveis, nomeadamente de segurança — o abandono norte-americano é o desejo de todos, incluído do próprio Trump. E o Irão alargará a sua influência no vizinho Iraque, o ponto nevrálgico da geoestratégia do Golfo, e ameaçará retomar os seus planos de armamento nuclear. O que acontecer em Bagdad depende do que vai acontecer em Terrão e Washington nas próximas semanas.