Celebrar o Natal ao ritmo do esplendor barroco

O “Natal em Lisboa” passa este ano pela primeira vez pela Basílica dos Mártires, onde um concerto a quatro mãos vai evidenciar a qualidade de um órgão com 234 anos. A programação inclui ainda concertos em vários locais da cidade.

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Rui Gaudêncio

Entrar na Basílica dos Mártires, no Chiado, é uma experiência visual arrebatadora, tal é a profusão de cores e imagens no tecto e ao redor da nave central. A exuberância dificilmente se adivinha do lado de fora – a fachada é discreta – e quase ofusca um tesouro desta igreja barroca: o seu órgão. Também ele uma obra de arte, é um instrumento como há poucos em Lisboa.

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Entrar na Basílica dos Mártires, no Chiado, é uma experiência visual arrebatadora, tal é a profusão de cores e imagens no tecto e ao redor da nave central. A exuberância dificilmente se adivinha do lado de fora – a fachada é discreta – e quase ofusca um tesouro desta igreja barroca: o seu órgão. Também ele uma obra de arte, é um instrumento como há poucos em Lisboa.

Maria Teresa Fonseca, organista titular, faz a visita guiada e toca umas notas para demonstrar “o cuidado posto na arquitectura sonora deste órgão”. Construído em 1785 por “um dos nossos melhores organeiros” da época, António Xavier Machado e Cerveira, o majestoso instrumento entra este ano, pela primeira vez, na rota do “Natal em Lisboa”, a programação que a EGEAC dedica a esta altura especial do ano.

A 7 de Dezembro, o órgão será chamado a dar corpo a um programa com oito peças portuguesas, espanholas e italianas dos séculos XVII, XVIII e XIX e que, no entender de Teresa Fonseca, permitirão perceber a grande variedade de sons que os seus 1764 tubos conseguem produzir. “É um programa diversificado, com peças de grande brilhantismo, mas também com registos mais doces”, comenta.

O concerto, a ser executado por António Duarte (organista titular da Sé) e Daniel Oliveira, inclui, entre outras, uma Sonata para Órgão, de Marcos Portugal, Tres Glosas sobre el Canto Llano de la Immaculada Concepción, de Francisco Correa de Arauxo, Elevazione, de Davide de Bergamo, e ainda um Rondó em Sol Maior para órgão a quatro mãos, de Ramón Ferreñac.

Esta última peça será particularmente desafiante, diz Teresa Fonseca. Isto porque o órgão tem apenas um teclado com cerca de um metro de largura, espaço em que terão de caber ambos os tocadores para executarem a obra em simultâneo. Ter apenas um teclado (e não dois ou mais) é uma característica própria dos órgãos ibéricos, que ainda se diferenciam dos do centro da Europa por não terem pedais e por terem tubos na horizontal.

“Num único teclado é possível fazer efeitos de duplo teclado. Permite solos com a mão direita e com a mão esquerda”, sublinha a organista. Esta especificidade condicionou a produção de peças para órgão em Portugal até muito tarde e, ainda hoje, requer um conhecimento específico para lidar com os instrumentos na hora de os tocar.

Concertos, concertos, concertos

Em 1994, por ocasião da Lisboa Capital Europeia da Cultura, o grande órgão dos Mártires foi alvo de um restauro profundo. Tinha havido outros no século XIX e até no XX, mas foi este que lhe devolveu as características barrocas originais entretanto perdidas, sustenta Teresa Fonseca. Ao subir as escadas que ligam o coro alto ao teclado, encontra-se à esquerda a assinatura do organeiro que fez o restauro, António Simões, e que em 2011, durante uma operação de limpeza, faria uma descoberta surpreendente. Alguns tubos que se julgavam de origem são mais antigos e podem até ter vindo do órgão da primitiva Basílica dos Mártires.

Até ao Terramoto de 1755, a paróquia tinha sede numa igreja que se localizaria na zona que hoje corresponde, grosso modo, ao Largo das Belas-Artes. Foi a destruição desse templo que originou a sua reconstrução – mas noutro local e, naturalmente, seguindo o gosto arquitectónico da época.

Machado e Cerveira, também filho de um organeiro, teve nos Mártires a sua terceira construção a solo, facto indicado logo por cima do teclado através de uma pequena placa. Teve depois uma carreira intensa, na qual produziu mais de uma centena de órgãos para igrejas de Lisboa, Mafra, Açores e Brasil, entre outros.

A programação do “Natal em Lisboa” dá este ano um grande destaque à música, com inúmeros concertos: São Vicente de Fora, Paços do Concelho, Aeroporto, São Luiz, Convento do Grilo, Igreja de Santo Eugénio e Igreja de São Jorge de Arroios são alguns dos locais que terão programas musicais. Estão ainda previstas actividades na Comunidade Hindu de Portugal, um curso de iniciação à meditação pela União Budista e visitas guiadas ao Centro Ismaili.