Precariedade entre advogados marca debate nas eleições para a Ordem

Seis candidatos vão a votos esta semana. Honorários dos oficiosos e falta de protecção na doença são os temas fortes. Actual bastonário recandidata-se e é acusado de ter feito cair a Ordem no esquecimento.

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RG RUI GAUDENCIO - PòBLICO

O debate entre os seis candidatos a bastonário dos advogados ameaça entrar pela hora de jantar adentro quando Varela de Matos desfere a estocada final a um dos seus adversários, por este quase se rebolar de riso na cadeira perante as acusações que lhe tem lançado neste final de tarde. “O senhor ri-se com o riso daquelas pessoas a quem falta o siso. Sofre de hilaridade incontinente!”.

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O debate entre os seis candidatos a bastonário dos advogados ameaça entrar pela hora de jantar adentro quando Varela de Matos desfere a estocada final a um dos seus adversários, por este quase se rebolar de riso na cadeira perante as acusações que lhe tem lançado neste final de tarde. “O senhor ri-se com o riso daquelas pessoas a quem falta o siso. Sofre de hilaridade incontinente!”.

O comentário suscitou galhofa, na passada semana, entre a plateia do auditório da Universidade Católica, onde além de estudantes de Direito se viam também apoiantes dos candidatos. A picardia não nasceu da bílis nos estômagos vazios: no debate da manhã, noutra universidade de Lisboa, e ao qual compareceram apenas quatro dos seis rivais, trocaram-se acusações de cunhas, amiguismo e até de plágio. Um dos candidatos chegou a pedir aos colegas para elevarem o nível da discussão.

Quatro homens e duas mulheres disputam o cobiçado cargo, que vai a votos nas próximas quarta, quinta e sexta-feira, mas se as previsões valerem de alguma coisa será entre três favoritos que a escolha será feita: o actual bastonário, Guilherme Figueiredo, que se recandidata, o presidente do conselho regional de Lisboa, António Jaime Martins, e o presidente do conselho superior, Menezes Leitão, aquele que segundo Varela de Matos sofre de hilaridade incontinente.

É possível que seja necessária uma segunda volta para escolher o vencedor. Pela primeira vez a Ordem dos Advogados irá recorrer ao voto electrónico, tendo sido produzido um tutorial em vídeo para ajudar os menos familiarizados com este tipo de processo.

Com um perfil discreto, Guilherme Figueiredo é acusado pelos rivais de ter feito cair a Ordem dos Advogados no esquecimento, permitindo que perdesse peso político e mediático. Ficou amorfa, considera Isabel Silva Mendes, que ao longo dos 30 anos que leva de profissão já trabalhou na província e na cidade, sozinha e em sociedade. Os rivais do actual bastonário acham que Guilherme Figueiredo desvalorizou ou contemporizou mesmo com situações desfavoráveis à classe, como a actualização dos honorários dos advogados oficiosos, que, no entender de alguns candidatos, devia por lei ter começado a ser feita já em Agosto passado. Varela de Matos usa o termo “esmola” para se referir à tabela de pagamentos do Estado, que não é revista há 15 anos.

São 14 mil, de uma classe composta por 34 mil profissionais, aqueles que representam em tribunal quem não tem posses para contratar um advogado por sua conta. Varela de Matos assume-se como representante destes e de outros “descamisados”, os assalariados dos grandes escritórios, como lhes chama apesar da patine da profissão liberal. Candidato a bastonário pela segunda vez, defende que quem trabalha em sociedades com facturações superiores a 250 mil euros anuais e mais de cinco advogados assalariados tenha direito a contrato de trabalho e a ser inscrito na Segurança Social como trabalhador por conta de outrem. 

O sistema de Caixa de Previdência

A actualização dos honorários das oficiosas e a protecção social são também as bandeiras da candidata mais nova, Ana Luísa Lourenço, que tal como Varela de Matos nunca desempenhou cargo nenhum na Ordem. Eleita nas listas da CDU para a Assembleia Municipal de Alcochete, a advogada recorda que existem milhares de advogados que trabalham para os colegas e são pagos através de falsas avenças, situação com que promete acabar se ganhar.     

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Varela de Matos, António Jaime Martins, Isabel da Silva Mendes, Menezes leitão, Guilherme Figueiredo e Ana Luísa Lourenço são os candidatos

Apesar de muito criticado, por funcionar praticamente apenas para pagar reformas, descurando quase por completo o apoio na doença, o sistema de Caixa de Previdência que os advogados partilham com os solicitadores tem-se mantido praticamente inalterado – o que tem dado origem a algumas situações dramáticas, uma vez que quem deixa de trabalhar por motivo de doença não recebe qualquer apoio financeiro senão em caso de invalidez.

Por outro lado, nem todos os que estão em início de carreira sobrevivem a obrigações que incluem o pagamento de quase duas centenas e meia de euros mensais para a Caixa de Previdência. Menezes Leitão – que abdicará do salário de bastonário de quatro mil euros limpos se for eleito – advoga a isenção deste tipo de contribuição em caso de ausência de rendimento.

Tal como este candidato, também Guilherme Figueiredo equaciona a contratação, pela Ordem, de um seguro de baixa médica para os seus sócios. “Espanta-me é que esse seguro ainda não tenha sido feito”, atira-lhe Menezes Leitão, que além de ser advogado dirige a Associação Lisbonense de Proprietários. “A Ordem pode perfeitamente contratar um seguro de saúde, tem os cofres recheados”, observa igualmente Isabel Silva Mendes. Como vogal do conselho de deontologia de Lisboa da Ordem, a candidata tem ainda outras preocupações: quer que as condutas impróprias sejam sancionadas com maior severidade. Quando os advogados publicitam os seus serviços, por exemplo.

Se se transformar em bastonário, António Jaime Martins vai querer fiscalizar a constitucionalidade das leis nos mesmos termos que o procurador-geral da República e o Provedor de Justiça. Das suas propostas faz ainda parte a redução de custas judiciais para os cidadãos e para as pequenas e médias empresas, bem como a isenção de custas para os arguidos, para todas as partes dos processos de família e menores e ainda para os trabalhadores envolvidos em acções laborais.

O actual bastonário alega em sua defesa que não fez mais no mandato que agora termina porque teve de arrumar a casa, de resolver problemas do passado. “Encontrámos um passivo de 1,8 milhões quando chegámos”, resume, admitindo, porém, ter falhado na divulgação de tudo o que fez pela classe nos últimos três anos. Das suas propostas para os próximos três faz parte o aumento do número de cidadãos com direito a advogado oficioso e a redução das custas judiciais.