Saxofone de Nanutu celebra em Lisboa a independência de Angola

Prestes a lançar novo disco, o saxofonista angolano Nanutu apresenta-se em Lisboa esta sexta-feira, num concerto que assinala a independência de Angola. No B.Leza, às 22h.

Foto
Nanutu com um dos seus saxofones DR

Chama-se António Manuel Fernandes mas há muito que o conhecem apenas por Nanutu. É um dos saxofonistas africanos de maior projecção internacional e vai actuar no B.Leza, em Lisboa, na noite desta sexta-feira, num concerto que celebra a independência de Angola.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Chama-se António Manuel Fernandes mas há muito que o conhecem apenas por Nanutu. É um dos saxofonistas africanos de maior projecção internacional e vai actuar no B.Leza, em Lisboa, na noite desta sexta-feira, num concerto que celebra a independência de Angola.

Foto
Nanutu & Kambas: o cartaz do concerto

Nascido em Luanda, em 3 de Setembro de 1967, começou por tocar bateria, depois clarinete e em seguida passou ao saxofone, especializando-se nele ao longo dos anos, primeiro em vários grupos de Angola e depois, quando se mudou para Lisboa em 1991, com Tito Paris ou Luís Represas, que acompanhou durante década e meia. A nível internacional, Nanutu tocou com músicos como Salif Keita, Bonga, Waldemar Bastos, Paulo Flores, Cesária Évora, Compay Segundo, Pablo Milanés, Alicia Keys, Sting ou Ivete Sangalo.

A solo, tem cinco discos em seu nome: Marés (1996), Kizofado (2000) e Luandei (2002), Bisa (2005) e Ximbika (2010), além da colectânea Sax From Angola, que reúne, num triplo álbum, Kizofado, Luandei e Bisa. Prepara agora um sexto, Gato Vijú, que deverá ser lançado em Dezembro, como ele diz ao PÚBLICO, já em Lisboa: “Comecei a gravá-lo em Angola, acabei-o em Portugal, no estúdio do Rui Veloso, e as misturas vão ser feitas em Paris.”

Bateria, saxofone, semba

No saxofone, a sua inspiração vem de  Manu Dibango e Luís Morais, mas também de Rão Kyao: “Eu já tocava em bandas muito conhecidas em Angola e o Rão Kyao tinha gravado o Fado Bailado, com saxofone.” Foi outra fonte. Depois veio o jazz, já que Nanutu estudou no Hot Clube, em Lisboa: “Aí ouvi Charlie Parker e um grupo grande de instrumentistas, tudo gente que nos vai influenciando. E nos vai criando um caminho.”

O semba veio de trás, da juventude: “Tive a sorte de, mais miúdo, tocar em grupos com ícones da música angolana, como David Zé, Artur Nunes, Urbano de Castro, Elias Dia Kimuezo, Carlos Lamartine, Carlos Buriti, Belita Palma, Lurdes Van Dunem, ou seja, um lote de músicos mais velhos, maduros, do semba. E depois entrei no grupo Os Merengues [de que faziam parte Carlitos Vieira Dias, Zé Keno, Joãozinho Morgado e outros], que é o grupo que faz o Bartolomeu, do Prado Paim, que é o primeiro disco de Angola em 1974. São eles que o acompanham, porque eram oriundos de vários grupos não só da periferia de Luanda mas também do resto de Angola. Chamaram-se Os Merengues porque pertenciam a uma editora que tinha uma etiqueta nos vinis a dizer ‘merengue’. E passaram a chamar-se assim.”

A música e o peso da guerra

O que o levou a trocar Luanda por Lisboa? “As perspectivas de vida. E a guerra, que nós não sabíamos em concreto o que iria dar. Nós éramos crianças crescidas na guerra e pensávamos: mais uma guerra, mais outra guerra, fazia-me confusão. E depois a perspectiva musical, que era a mais interessante. Na altura [como saxofonista de carreira internacional], Cabo Verde tinha o Luís Morais [1935-2002]. Ora eu sempre estive muito ligado a músicos cabo-verdianos a partir de Angola. E quando vim para Portugal mantive esse elo. Nós, angolanos, não estávamos muito unidos, enquanto que os cabo-verdianos tinham mais esse sentido de união. Não só na música, mas até num contexto de imigração, porque nunca fomos (nós, os angolanos) um povo imigrante. Os cabo-verdianos sim, tal como os portugueses.”

Foi assim que, já em Lisboa, e a partir de 1991, foi traçando outro caminho na sua carreira: “Estive com o Luís Represas 16 anos, mas antes eu já tocava com músicos africanos. Ajudei a fundar, com o Tito Paris, a banda dele, toquei com o Dany Silva, com o Bana…” E também com Rão Kyao. “Sou bastante amigo dele e fizemos uma parceria numa das músicas do Bisa, o Carapinha Dura, ele tocou flauta e eu saxofone. E acabei por levá-lo a Angola, quando foi do primeiro Mundial de Futebol em que Angola participou [2006]. Houve uma grande festa no estádio dos Coqueiros, tocámos e ele ficou louco com aquilo.”

“Não saí de Angola, fugi”

Mas antes de Lisboa, Nanutu ainda esteve uns tempos na Bélgica. “Eu saio de Angola com um grupo de Angola que era o Sembáfrica, para fazer a promoção do semba, música e dança, como se fez depois com a lambada. Um empresário apostou nisso e levou-nos para a Bélgica, de onde fizemos também a Holanda, a Alemanha, a Suíça, uma série de países europeus. E essa foi a minha porta de saída. Como em Angola ainda estávamos num sistema de partido único, sair de lá era complicado. E eu não saí, fugi: ou seja, todos os músicos regressaram, menos eu. Fiquei na Bélgica, de forma arrojada, e a tocar com vários músicos africanos [de vários países]. Até que um dia, já um bocadinho cansado, decidi: vou para Portugal.”

Hoje, já com uma carreira internacional assegurada, Nanutu conseguiu chegar a mercados onde não encontrou outros saxofonistas: um “circuito muito próprio”, que inclui Emirados Árabes Unidos (Dubai e Abu Dhabi), Qatar, Singapura, Malásia, Tailândia, Austrália, Indonésia, Índia. “Por norma”, diz ele, “a música instrumental com o saxofone é focalizada essencialmente no jazz ou na música mais ancestral. A minha linguagem é mais directa, mais ligada ao canto.” E isso, diz, tem permitido à sua música abarcar horizontes mais vastos.

“Sou eu o gato vijú”

O disco que Nanutu se prepara para lançar ainda este ano, Gato Vijú, tem no título um toque autobiográfico (na gíria luandense, Vijú quer dizer esperto, sabido, matreiro). “No fundo, sou eu o gato vijú. Há sempre aquele sentido do músico, que olha para coisas que ninguém vê. E um dia, quando comecei a gravar este disco, estava na minha varanda, em casa, lá em Luanda, e comecei a ver os gatos a andar de um lado para o outro: um salta, outro entra no quintal, outro entra aqui e ali. Pensei: estes gatos são vijús. E aquilo ficou-me na mente. E concluí que o gato vijú sou eu, porque a minha música entre em muitos lados (carros, casas) sem pedir licença. E é o que o gato justamente faz. E é esse o sentido figurado do título do disco.”