CMVM detecta falhas das auditoras na prevenção da lavagem de dinheiro

Irregularidades nos procedimentos de prevenção é um dos problemas mais recorrentes.

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A CMVM é presidida por Gabriela Figueiredo Dias Rui Gaudencio

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tem estado no terreno a fiscalizar algumas sociedades de revisores oficiais de contas (SROC) e uma das irregularidades mais recorrentes que os técnicos encontraram tem a ver com os procedimentos de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, revela um relatório do supervisor, divulgado nesta quinta-feira, com as principais conclusões sobre a fiscalização feita às actividades de auditoria.

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A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) tem estado no terreno a fiscalizar algumas sociedades de revisores oficiais de contas (SROC) e uma das irregularidades mais recorrentes que os técnicos encontraram tem a ver com os procedimentos de prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, revela um relatório do supervisor, divulgado nesta quinta-feira, com as principais conclusões sobre a fiscalização feita às actividades de auditoria.

À semelhança dos bancos, imobiliárias, advogados, solicitadores ou contabilistas, também as próprias auditoras das empresas estão obrigadas por lei a cumprir uma série de políticas para prevenir situações de lavagem de dinheiro — deveres que vão desde as políticas de aceitação de clientes à própria monitorização das empresas que auditam (examinam operações e potenciais suspeitas), passando por deveres de comunicação à Unidade de Informação Financeira ou ao Departamento Central de Investigação e Acção Penal (Ministério Público) quando suspeitam de actividades criminosas.

Esta é uma área onde, a nível europeu, estão a crescer as exigências preventivas para os chamados “intermediários”, seja os advogados, os consultores de investimento ou os auditores. E foi justamente a fiscalizar no terreno este último sector de actividade — as sociedades de revisores oficiais de contas — que a CMVM encontrou “insuficiências na formalização de políticas e procedimentos” dos deveres previstos na lei.

Entre Junho de 2018 e Maio deste ano, a instituição liderada por Gabriela Figueiredo Dias concluiu oito acções de supervisão presencial (cada acção corresponde a uma auditora) e fechou 51 acções de controlo num modelo de “supervisão contínua”, ao mesmo tempo em que deu início a seis novas acções presenciais e a 27 outras de modo contínuo (sem exigência presencial).

Os dados do relatório que dão conta das irregularidades reflectem o resultado das oito acções presenciais concluídas naquele ciclo de fiscalização. E, aí, a CMVM encontrou falhas de vária ordem e com graus de gravidade diferentes.

O problema na prevenção das situações de lavagem de dinheiro é apenas uma entre as principais irregularidades detectadas, mas foi relevante ao ponto de a instituição a ter destacado no relatório por ser uma das “mais recorrentes”.

Textos confusos

Essa lista é longa e inclui muitas outras situações. O relatório apresenta os casos que mais se repetiram nas oito SROC, mas não distingue os mais graves dos menos problemáticos, nem faz qualquer gradação.

Por exemplo, os técnicos detectaram que as auditoras estavam a falhar deveres de reporte às autoridades de supervisão ou que enviavam informação incompleta ou inconsistente à própria CMVM. As SROC também continuam a ter “insuficiências” nas suas políticas e procedimentos de “aceitação e continuação de relacionamentos com clientes”, isto é, que há insuficiências na forma como avaliam os “requisitos éticos relevantes e integridade do cliente” ou em relação ao tempo e aos recursos colocados para realizar o trabalho de auditoria.

A CMVM encontrou situações em que as “reservas e ênfases” dos auditores às contas das empresas eram escritas “de forma imprecisa e confusa”; detectou documentos sem a descrição do trabalho realizado, “sem identificação de quem realizou e quem reviu”, sem uma “clara separação entre informação do cliente e trabalho do auditor”; e viu auditorias com falta de prova suficiente, por exemplo, em relação à revisão das demonstrações financeiras, à “certificação legal de contas para dar resposta às matérias relevantes de auditoria” ou simplesmente quanto ao “cumprimento de leis e regulamentos”).

Outro problema: insuficiências nas políticas de nomeação dos revisores do controlo de qualidade do trabalho de auditoria ou mesmo na documentação e na “tempestividade” desse controlo. Há outros factores críticos apontados, que dão desde os problemas de arquivos dos dossiers de auditoria à própria formação dos recursos humanos.

Garantir a independência

A estas falhas somam-se “procedimentos incompletos para assegurar a independência”, como por exemplo o facto de as auditoras não terem declarações de independência anuais para todos os funcionários ou o facto de não existirem procedimentos que regulem nas sociedades a aceitação de serviços distintos de auditoria (para que um trabalho paralelo não comprometa a independência de um auditor na função da auditoria a uma empresa, por exemplo).

A CMVM também identificou contratos de prestação de serviços incompletos ou desactualizados, verificou que havia auditoras que não estavam a cumprir o dever de rotação previsto na lei para uma empresa ao fim de dez anos, nem o dever de rotação do sócio responsável.

Quase 300 recomendações

Ao todo, das acções presenciais realizadas nas oito SROC — que o relatório não diz quais são — resultaram 291 recomendações. Destas, 108 estão relacionadas com o sistema de controlo de qualidade interno dos revisores oficiais de contas (ou das sociedades às quais os revisores estão associados) e 183 estão “relacionadas com os dossiers de auditoria” (quando a CMVM faz um controlo vertical para analisar determinados processos de auditoria, desde o planeamento e execução à conclusão dos processos).

Não se sabe se estas recomendações estão mais concentradas numa ou noutra auditora, nem que casos concretos foram suscitados. Mas o elevado número de chamadas de atenção tem a ver com a dimensão da actividade fiscalizada, porque dentro destas acções de supervisão a CMVM seleccionou certos “dossiers” que as SROC tinham em mãos com determinados clientes.

O relatório dá ainda conta de uma coima de 50 mil euros aplicada a uma auditora por violação do Estatuto da Ordem dos ROC. Neste processo de contra-ordenação, o supervisor suspendeu a coima parcialmente durante dois anos em 25 mil euros (o que significa que o auditor terá de pagar essa metade se reincidir nas irregularidades nesse período de dois anos)​.