Há 50 anos, “paz e música”; hoje, histórias de terror no escuro

Em 1969, vivia-se em Woodstock o primeiro de três dias de “paz e música”. Hoje, em Portugal, estreia-se um filme de terror passado em... 1968.

15 de Agosto, feriado religioso que na tradição católica celebra “a Assunção de Nossa Senhora ao céu”, tem sido, ao longo dos anos, também dia de acontecimentos históricos de relevo, como a inauguração do Canal do Panamá (1914), a proclamação do Dia da Vitória pelos Aliados no fim da Segunda Guerra Mundial (1945) após o Japão aceitar render-se (o que sucederia apenas no dia 2 de Setembro), a independência da Índia e o consequente nascimento do Paquistão (1947) e o Festival de Woodstock (1969), que, realizado no Estado de Nova Iorque, nas colinas de Bethel, na quinta de Max Yasgur, prometia “três dias de paz e música”. Dia 15 foi o primeiro dos três.

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15 de Agosto, feriado religioso que na tradição católica celebra “a Assunção de Nossa Senhora ao céu”, tem sido, ao longo dos anos, também dia de acontecimentos históricos de relevo, como a inauguração do Canal do Panamá (1914), a proclamação do Dia da Vitória pelos Aliados no fim da Segunda Guerra Mundial (1945) após o Japão aceitar render-se (o que sucederia apenas no dia 2 de Setembro), a independência da Índia e o consequente nascimento do Paquistão (1947) e o Festival de Woodstock (1969), que, realizado no Estado de Nova Iorque, nas colinas de Bethel, na quinta de Max Yasgur, prometia “três dias de paz e música”. Dia 15 foi o primeiro dos três.

Woodstock, já o escrevi um dia e repito-o, foi uma coisa de miúdos. Miúdos que acabavam de ver um homem chegar à Lua e estavam na fila para um morticínio chamado Vietname. Michael Lang, o organizador, tinha 24 anos. E os músicos que ali actuaram não tinham chegado aos 30. Melanie e Carlos Santana tinham 22 anos, Neil Young 23, John Fogerty (Credence Clearwater Revival), Pete Townshend (dos The Who) e Stephen Stills 24, Alvin Lee e John Sebastian 25, Jimi Hendrix e Janis Joplin 26, Tim Hardin, Graham Nash e Country Joe McDonald 27, David Crosby, Joan Baez e Ritchie Havens 28; só Grace Slick (Jefferson Airplane) tinha já quase 30. Até o realizador do filme que havia de celebrizar o festival, Michael Wadleigh, tinha 26 anos, tal como um dos seus ajudantes que não tardaria a tornar-se célebre no novo cinema americano: Martin Scorsese, que à data já assinara um filme, Who’s That Knocking at My Door (1968).

No filme, remasterizado no 40.º aniversário do festival a partir da versão de 2001 do realizador (que o ampliou de 180 para 216 minutos) e editado numa caixa com quatro DVD, ouve-se um polícia dizer: “As pessoas deste país deviam estar orgulhosas destes miúdos. O modo de vestir ou o cabelo é lá com eles, mas os seus valores, o seu comportamento, são inquestionáveis. São sem dúvida bons cidadãos norte-americanos.” O entrevistador reage: “Isso é algo surpreendente vindo de um polícia”. Ao que ele responde: “Eu não sou um polícia, sou um chefe da polícia!”

A verdade é que só por milagre aquele ajuntamento de meio milhão de pessoas, sujeitas ao sol, ao frio, à chuva, à lama, à escassez de alimentos (suprida por muitos voluntários) não redundou em tragédia. Mesmo as drogas, do vulgar haxixe aos ácidos (e a organização avisava, a partir do palco, que havia “mau ácido” a circular, pedindo cautela), só fizeram uma vítima mortal, por overdose. Sem qualquer intuito de “equilibrar” tal perda humana, nasceu um bebé no recinto. Foi uma aventura? Foi. E também um negócio que correu mal: um investimento de três milhões de dólares (valores actuais) e receitas de apenas 1,8 milhões, que levou 11 anos a recuperar.

Agora, que tudo isso são já memórias, os 50 anos de Woodstock trazem-nos mais música às lojas: uma caixa com dez CD que reúne, em 162 faixas, “a reconstrução integral de quase todas as actuações”. E há edições em vinil colorido: laranja, verde, dourado, púrpura. É só escolher. O que os 40 anos nos trouxeram em vídeo, trazem os 50 em música pura. Chegou a anunciar-se até uma celebração gigante, cancelada, mas haverá concertos avulsos. O negócio continua.

Sem nada que ver com Woodstock, anuncia-se para este 15 de Agosto uma estreia singular nos cinemas: Histórias Assustadoras para Contar no Escuro, descrito como “versão assustadora dos populares livros de terror para adolescentes de Alvin Schwartz, que se inspiram em mitos do folclore americano.” O argumento e a produção são de Guillermo del Toro e a realização é do norueguês André Øvredal. Diz a sinopse do filme: “Estamos em 1968 nos Estados Unidos e sopram ventos de mudança.” Se houvesse sinopse para Woodstock, esta seria adequada, era só mudar o ano: “Estamos em 1969 nos Estados Unidos e sopram ventos de mudança.” Mas não houve, e aos três dias de “paz e amor” woodstockianos contrapõe-se aqui uma noite de terror.

Não surpreende, no entanto, que esta se alimente de histórias antigas. Numa curta-metragem de Mario Monicelli, La Bambinaia (incluída no filme Capricho à Italiana, de 1967), uma ama que detestava banda desenhada (interpretada pela actriz Silvana Mangano) vê um grupo de crianças a lerem, divertidas, livros de violência ficcionada, com títulos como Sadik, Diabolik, Satanik ou Kriminal, diz que são livros “horríveis”, de “violência, imoralidade, medo e terror” e atira-os ao lago. O que tinha ela a contrapor? As “belas histórias” de [Charles] Perrault, claro! As crianças seguem-na, entusiasmadas, mas aos poucos, ao ouvir dela tão “bonitas fábulas”, começam a ficar sérias, atemorizadas, e desatam num pranto, em choro convulsivo.

Mas porquê, se era uma “bela história do velho Perrault”? Porque, ao contrário das ficções modernas, cheias de golpes e sangue falso, as antigas iam buscar o terror a uma fonte bem próxima: a vida. E esta, nos seus piores momentos, sabe aterrorizar como ninguém. Mas, quem sabe?, talvez o filme de André Øvredal só divirta, deixando tempo livre para reouvir algumas velhas canções de Woodstock.