Torre da Portugália tem menos 11 metros mas está longe de reunir consensos

Na nova versão do projecto, a torre terá 49 metros e menos 500 metros quadrados de construção. Apesar da redução na sua altura, os críticos do projecto continuam a discordar da actuação da autarquia e do sistema de créditos de construção aplicado. Para o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, este é “um bom projecto”.

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Fotomontagem com o anterior e a actual versão do projecto

Depois de três debates públicos e de muita contestação, há um novo projecto para o quarteirão da Portugália: a polémica “torre” de 60 metros foi reduzida em 11 metros, mas manterá os 16 pisos, ficando mais recuada em relação à Avenida Almirante Reis, segundo a proposta que foi apresentada na tarde desta quinta-feira na Assembleia Municipal de Lisboa.

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Depois de três debates públicos e de muita contestação, há um novo projecto para o quarteirão da Portugália: a polémica “torre” de 60 metros foi reduzida em 11 metros, mas manterá os 16 pisos, ficando mais recuada em relação à Avenida Almirante Reis, segundo a proposta que foi apresentada na tarde desta quinta-feira na Assembleia Municipal de Lisboa.

Coube ao arquitecto José Mateus, do gabinete ARX, responsável pelo projecto de arquitectura do empreendimento, a apresentação das alterações feitas depois de um período de consulta pública, que decorreu entre os meses de Maio e Junho, durante o qual poucas vozes se ouviram em defesa desta proposta.

O futuro empreendimento, que ocupará os terrenos devolutos da antiga fábrica de cervejas Portugália, será um projecto sobretudo habitacional, estando prevista a construção de 85 apartamentos com tipologias entre o T0 e o T4. Prevê também a criação de escritórios e espaços de coworking e uma zona comercial no piso térreo que rodeará as duas praças interiores que serão criadas e pelas quais será possível circular entre a Avenida Almirante Reis e a Rua António Pedro. Estão previstos ainda cinco pisos subterrâneos que vão incluir estacionamento público.

Durante as últimas semanas, os arquitectos trabalharam numa proposta que reduz a altura do prédio mais alto da proposta — o objecto da discórdia —, e a área de construção em 500 metros quadrados. De forma a minorar o seu impacto, a torre será agora recuada em seis metros em relação à Avenida Almirante Reis, ficando apoiada numa construção que, de acordo com o projecto, segue a altura dos prédios da avenida. 

“Tem-se falado muito de incoerência em relação ao contexto. A coerência da Almirante Reis é a variação, a contradição”, notou José Mateus, que acredita que o empreendimento valorizará toda a zona. 

O projecto tem sido muito contestado pela população que diz ser desadequado à zona e teme perder as vistas de miradouros como o da Penha de França ou do futuro Jardim do Caracol da Penha, assim como o impacto de ensombramento que esta nova construção poderá causar nas suas casas. 

Segundo disse José Mateus, com esta reformulação foi aumentada a área de permeabilização dos terrenos e reforçada a arborização da zona, com a construção de grandes canteiros ajardinados no centro com lúpulos em alusão à produção de cerveja. “A equipa está a estudar formas, técnicas que sejam impulsionadoras da infiltração da água nos solos, sendo que aquelas que demorarem mais tempo a ser infiltradas serão armazenadas em reservatórios para rega ou lavagem dos espaços públicos”, explicou o arquitecto.

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O quarteirão da antiga fábrica de cervejas encontra-se devoluto Rui Gaudêncio

A questão da impermeabilização de toda a área de construção tem sido uma das grandes críticas apontadas ao projecto. “Tenho muita pena que os arquitectos paisagistas sejam cada vez mais utilizados para efeitos de makeup de processos e não em propostas estruturais que a arquitectura paisagista tem para a cidade. Não entendo como é que não houve uma abordagem sobre a permeabilidade. Estamos a falar de mais ou menos sete mil metros quadrados que são 100% impermeabilizados”, notou João Ceregeiro, vice-presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, deixando ainda críticas à actuação da autarquia: “É um contraciclo com aquilo que esta câmara tem aprovado, como o plano metropolitano de adaptação às alterações climáticas”.

"Este é um bom projecto”, diz Salgado

Apesar de as alterações, o projecto continua a não agradar aos munícipes que, sublinham, não é adequado à estética da zona. Em grande parte do debate, as críticas foram dirigidas à Câmara de Lisboa, sobretudo pelo sistema de créditos de construção, um instrumento previsto no PDM, que, na prática, permite ao promotor construir em mais área se se comprometer a criar mais oferta de estacionamento para os residentes, se integrar conceitos bioclimáticos e de eficiência energética ou criar e infra-estruturas ou espaço público, por exemplo.

A versão inicial do projecto previa que fossem concedidos ao promotor - o Fundo Sete Colinas, gerido e representado por Silvip – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário - 11 mil metros quadrados em créditos de construção. Com esta reformulação, disse José Mateus, há uma redução dos créditos para os nove mil, mas os promotores vão apenas utilizar sete mil: “Eliminamos todos os créditos que tinham a ver com questões que se pudessem associar a benefício quase exclusivo do promotor, como por exemplo, a classe energética e a ventilação natural. Foram considerados usos de créditos com benefício para a população, como estacionamento suplementar e melhoria de espaço público e iluminação LED”, explicou o arquitecto. 

Para os munícipes, este instrumento serve apenas para beneficiar os promotores privados. “Permite-se a impermeabilização e, por isso, dá-se créditos pela recolha de águas pluviais”, criticou Miguel Pinto, do Movimento Stop Torre 60m Portugália, que fez chegar à assembleia municipal uma petição, e motivou este debate

“Na versão anterior do projecto tínhamos uma superfície de pavimento base de 18 mil metros quadrados e créditos de construção de 11 mil. Valorizando cada metro quadrado a cinco mil euros estamos a permitir um encaixe financeiro adicional de 55 milhões de euros”, notou Miguel Pinto. “O que estamos também aqui a discutir é uma política da câmara que permite a grandes investidores imobiliários fazer mais-valias de dezenas de milhões de euros sem qualquer contrapartida relevante para a cidade”, sublinhou. 

Na resposta, o vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, concordou que o regulamento dos créditos deve ser revisto. “Mas não defendo a sua abolição”, disse, rejeitando ainda as contas apresentadas pelos peticionários. “Quando se diz que cada crédito de construção vale cinco mil euros... O crédito de construção é um direito de edificabilidade. Não inclui projectos, não inclui custos de construção, não inclui nada disso. Para que não houvesse dúvidas, solicitamos à Direcção Municipal de Gestão do Património qual era o valor de mercado de um metro quadrado atribuído através de um crédito de construção e são 1700 euros por metro quadrado”, disse Salgado. 

O vereador fez ainda questão de clarificar que este projecto não está “perante uma folha em branco”, uma vez que o processo de requalificação do quarteirão se iniciou em 2001, tendo havido projectos aprovados em 2005 e em 2010 que acabaram por ser abandonados. 

“Como dizia o presidente António Costa, a câmara de Lisboa não se iniciou com a nossa eleição nem terminará com a eleição de um novo executivo. A câmara tem séculos de existência e compromissos assumidos no passado, que devem, salvo casos excepcionais, ser respeitados. Não seria possível a modernização da cidade, tal como aliás não será possível a construção de habitação acessível [como este projecto promete], exclusivamente através da iniciativa pública”, considerou Manuel Salgado. “Não fora a crise e hoje teríamos no local um grande supermercado, um conjunto residencial em condomínio fechado, uma ocupação maciça do quarteirão, sem qualquer ganho do espaço público”.

O projecto terá ainda de ser apreciado pelo executivo municipal. “Pessoalmente farei essa proposta porque considero que este é um bom projecto que gera espaços públicos de qualidade e vai valorizar a zona envolvente. E que a proposta melhorou significativamente relativamente ao projecto aprovado em 2005 e 2010. Na minha opinião integra-se no local”, sublinhou o vereador, salientando contudo que o projecto deverá sofrer mais correcções.

"Sem uma forte intervenção pública, regras claras e procedimentos de participação pública, não se faz uma cidade para todos. Mas sem promoção privada a cidade estagna”, concluiu. 

Os grupos municipais do CDS, PEV, PPM, BE, PAN e PCP posicionaram-se contra o projecto — pelo menos da forma que está projectado —, defendendo também uma revisão dos sistema de créditos de construção.

Artigo actualizado às 17h50: com a reformulação do projecto, a área de construção será reduzida em 500 metros quadrados e não em 2000 como anteriormente se lia. Os 2000 metros quadrados referem-se à redução dos créditos de construção de, aproximadamente, 11.000 para os 9000.