O debate sem caos nem paraíso

Seria muito mais proveitoso se o diagnóstico pudesse ser mais partilhado e a diferença entre os partidos se estabelecesse no enunciar das políticas para resolver os problemas.

relatório do ISCTE divulgado ontem pelo PÚBLICO, em vésperas do debate do estado da nação, deve ser saudado por, desde logo, vir contrariar um mal endémico devidamente assinalado num estudo apresentado recentemente por este jornal sobre a qualidade das democracias. Nesse trabalho, Portugal surge num bom 8.º lugar no ranking geral, mas claudica na participação da sociedade civil, com um 42.º lugar.

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relatório do ISCTE divulgado ontem pelo PÚBLICO, em vésperas do debate do estado da nação, deve ser saudado por, desde logo, vir contrariar um mal endémico devidamente assinalado num estudo apresentado recentemente por este jornal sobre a qualidade das democracias. Nesse trabalho, Portugal surge num bom 8.º lugar no ranking geral, mas claudica na participação da sociedade civil, com um 42.º lugar.

Por isso é bom que a universidade olhe para o calendário político e venha trazer dados e análises para debate público, até porque o olhar da academia ajuda a contrariar o discurso maniqueísta em que os políticos se aprisionam, entre o paraíso de quem governa e o caos de quem se opõe. O “caos” é especialmente objecto de uso e abuso por todos, amplificado pelos media e pelas redes sociais, num exercício diminuidor da compreensão, que prejudica a avaliação e resolução dos problemas.

Ao escolher como título “menos reformas, mais políticas” é também isso que o relatório salienta, a necessidade de contrariar a assunção de que tudo está terrivelmente tão mal que, quando se chega à governação, é preciso a “reforma estrutural”. Como sublinha um dos coordenadores, Pedro Adão e Silva, esta necessidade de um “Big Bang” não é “melhor forma para resolver os problemas que temos”. 

Talvez seja demasiada ilusão pedir que num debate do estado da nação, em vésperas de eleições, a oposição (a verdadeira, à direita) não se entregue só ao exercício de pintar de negro muito escuro as cores de Portugal. Mas seria muito mais proveitoso se o diagnóstico pudesse ser mais partilhado e a diferença se estabelecesse no enunciar das políticas para resolver os problemas. De alguma forma foi isso que, bem, Rui Rio fez, ao apresentar um cenário macroeconómico que, de certa forma, não nega o relativo bom momento que vive a economia e se alavanca nele para, mantendo as contas certas, mostrar o que faria diferente.

E aqui chegados, talvez seja também de ajudar a calibrar este diagnóstico de choque entre o caos e o paraíso, lembrando o tal estudo que nos coloca em 8.º lugar na qualidade da nossa democracia. Porque, tratando-se de um exercício de comparação com os outros, o país até não está assim tão mal, como recordou o coordenador do trabalho em Portugal, Tiago Fernandes: “Não é que Portugal faça avanços extraordinários, mas o ambiente social e a distensão do debate político não tem comparação com o primarismo que se vive noutros países.”

Ainda há espaço para fazer muito melhor. Possam os políticos intervenientes no debate de hoje dar um contributo no bom sentido.