A “segurança perfeita” dos EUA está a conduzir-nos para um “precipício” ambiental, alerta investigadora

Estudo da Universidade de Brown mostra que, em 2017, o Pentágono emitiu mais gases de efeito de estufa do que Portugal e outros países, como Finlândia, Hungria e Coreia do Norte. Investigadora alerta: “A situação actual é insustentável.”

Foto
Exército norte-americano é o maior a nível mundial Reuters/CHRIS HELGREN

“O Pentágono emite mais gases de efeito de estufa do que Portugal, revela estudo”. A notícia foi inicialmente avançada pelo Guardian e amplamente divulgada nos órgãos de comunicação social nacionais. A conclusão, proveniente de uma investigação da Universidade de Brown, procurava mostrar o impacto que o esforço de guerra norte-americano tem na emissão de gases poluentes. Uma análise mais aprofundada ao documento revela, no entanto, que a referência a Portugal serve sobretudo para alertar para um problema maior: o impacto dos conflitos armados no meio ambiente. Na verdade, as movimentações do exército norte-americano poluem mais do que uma série de países — e, dizem especialistas, é urgente tomar medidas para alterar a situação.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

“O Pentágono emite mais gases de efeito de estufa do que Portugal, revela estudo”. A notícia foi inicialmente avançada pelo Guardian e amplamente divulgada nos órgãos de comunicação social nacionais. A conclusão, proveniente de uma investigação da Universidade de Brown, procurava mostrar o impacto que o esforço de guerra norte-americano tem na emissão de gases poluentes. Uma análise mais aprofundada ao documento revela, no entanto, que a referência a Portugal serve sobretudo para alertar para um problema maior: o impacto dos conflitos armados no meio ambiente. Na verdade, as movimentações do exército norte-americano poluem mais do que uma série de países — e, dizem especialistas, é urgente tomar medidas para alterar a situação.

“O problema é que, se olharmos para as projecções seriamente, e se atentarmos às consequências que estas terão nas pessoas, percebemos facilmente que os impactos serão enormes”, explica Neta Crawford, a autora do estudo intitulado Uso de combustível do Pentágono, mudança climática e custos da guerra, em conversa telefónica com o P3. “Não só produzimos mais do que Portugal, mas como a maior parte dos países. Todos os anos. Reduzir as emissões seria inteligente, se os Estados Unidos não quisessem enfrentar as guerras e instabilidade política e económica que resultarão directamente dos efeitos das mudanças climáticas.

Mas vamos aos números: em 2017, as operações do Pentágono provocaram 59 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono e outros gases poluentes. As emissões nocivas para o ambiente ascendem a 766 milhões de toneladas métricas, se iniciarmos a contagem a partir dos atentados de 11 de Setembro de 2001. Se fosse um país, o Pentágono seria 55.º no ranking dos mais poluentes, ficando à frente da Finlândia, Hungria e Coreia do Norte, por exemplo. Portugal, 57.º da lista com 55 milhões de toneladas métricas de dióxido de carbono anuais, também é um dos territórios ultrapassados,

Foto
Neta Crawford é professora de Ciência Política na Universidade de Boston Lucas Jackson / REUTERS

Efeitos das alterações climáticas criam “ciclo vicioso" 

Algumas das consequências directamente resultantes das alterações climáticas já se fazem sentir, sendo o aumento dos fluxos migratórios a mais notória. Algo que, na opinião da académica, pode originar um “ciclo vicioso": maior insegurança, mais investimento no sector da defesa, mais poluição. Para Neta Crawford tudo se prende com um ponto simples: “Os americanos têm de perceber que não se podem defender de tudo, em todo o lado. Temos de aceitar um bocadinho de risco. A ideia de ‘segurança perfeita’ está a encaminhar-nos para um precipício, a nível da emissão de gases de estufa. Não precisamos de dois milhões de soldados activos, temos de ajustar o tamanho do nosso exército às verdadeiras dimensões das ameaças que enfrentamos, nas quais se incluem o aquecimento global e as alterações climáticas. A situação actual é insustentável.”

Apesar do elevado número de emissões poluentes, a académica diz que, nos últimos anos, tem sido feito um esforço para que o exército norte-americano dependa menos de energias provenientes de combustíveis fósseis. Alerta, todavia, para os verdadeiros motivos por detrás destes ajustes: “Os Estados Unidos têm reduzido as emissões. Porquê? Porque não querem estar tão vulneráveis a disrupções nos comboios de combustível. A conversa da redução de emissões, porém, não está ser relacionada com a questão das mudanças climáticas. Temos de ligar os pontos.”

No seu trabalho, Neta Crawford dá exemplos concretos de materiais que contribuem significativamente para o elevado número de emissões de CO2. Por exemplo, os jipes usados pelo exército norte-americano, vulgarmente conhecidos como Humvees, têm uma autonomia negativamente impressionante: apenas três quilómetros por cada litro de combustível. Cerca de 60 mil destes veículos são utilizados pelas forças armadas nas operações militares, que estão a sofrer remodelações para diminuir o impacto ambiental.

Foto
Tradicionais jipes utilizados pelo exército norte-americano Richard Carson / REUTERS

“Era bom que o Congresso tomasse iniciativa e legislasse maior utilização de energias renováveis. Solar, eólica, hidroeléctrica. Fechar algumas bases militares, seja nos EUA ou em outras partes do mundo, onde não fossem necessárias. Convertê-las, se possível, em zonas de produção de energias sustentáveis, ou em zonas de reflorestação. Cumulativamente, o esforço de guerra teve muito efeito na emissão de gases poluentes e é um dos principais contribuidores para esta crise de alterações climáticas”, alerta, em jeito de finalização.