Se as eleições fossem sobre a Europa

Se estas eleições fossem mesmo sobre a Europa, eis as questões que gostaria de ver respondidas.

É espantoso como temas cruciais para a Europa passam completamente ao lado da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu (PE). Centrada nas minudências partidárias e no folclore das arruadas e beijinhos nas feiras, é difícil dizer se são os candidatos que não falam do que interessa porque os eleitores não querem saber, se são estes que só querem saber do que não interessa ou se é a imprensa que apenas mostra o acessório.

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É espantoso como temas cruciais para a Europa passam completamente ao lado da campanha eleitoral para o Parlamento Europeu (PE). Centrada nas minudências partidárias e no folclore das arruadas e beijinhos nas feiras, é difícil dizer se são os candidatos que não falam do que interessa porque os eleitores não querem saber, se são estes que só querem saber do que não interessa ou se é a imprensa que apenas mostra o acessório.

Sejamos claros: há hoje países na União Europeia (UE) que já não cumprem os critérios de Democracia e Estado de direito que se exigem aos países que pretendem aderir. E, pior, não existem mecanismos de controlo adequados para evitar o alastramento dessa deriva. Se estas eleições fossem mesmo sobre a Europa, a esta hora já sabíamos o que pensam os candidatos sobre o que está a acontecer na Hungria e na Polónia e sobre os procedimentos de incumprimento desencadeados pela Comissão Europeia (CE) e pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a propósito do desmantelamento da independência judicial nesses países, e sobre a necessidade de se criarem novos instrumentos para assegurar que os Estados cumprem as regras essenciais que definiram.

Nos manifestos eleitorais disponíveis online, para além de algumas alusões genéricas aos perigos do populismo e das chamadas democracias iliberais, apenas o do PS se refere expressamente a esta questão, dizendo que a UE “não pode ser complacente com derivas autoritárias, nem com atentados à liberdade de expressão ou à independência do poder judicial que ameaçam de forma sistémica o funcionamento do Estado de Direito”. É pouco.

O Estado de direito é um dos valores fundantes da UE e a base das democracias, das liberdades e direitos fundamentais e do desenvolvimento nos Estados-membros. A UE foi criada como uma comunidade de Estados de direito e não de Estados de arbítrio ou autoridade. Foi isso que trouxe paz, estabilidade e democracia e prosperidade social e económica. No entanto, por razões que não cabe aqui analisar, desde 2010 que se assiste ao início do desmantelamento da independência judicial, pilar fundante do Estado de direito, diante da indiferença dos governos e cidadãos europeus e da impotência das instituições da UE. Primeiro foi a Hungria, agora é a Polónia, amanhã serão outros.

Devido ao atraso da reacção das instituições europeias, a situação na Hungria é praticamente irreversível sem eleições internas que forcem uma mudança política. No caso da Polónia a reacção foi mais rápida (devido, deve notar-se, à luta das associações de juízes e procuradores), mas estamos ainda naquela fase do jogo do gato e do rato. Está em curso um processo de diálogo bilateral com a Polónia, que envolve a CE e o PE, para verificação do cumprimento das regras do Tratado da União Europeia (TUE). Porém, de cada vez que a Polónia cede um milímetro à pressão europeia e é forçada a fazer pequenas mudanças, logo a seguir são aprovadas novas medidas, com soluções às vezes piores que as anteriores.

A CE abriu também processos de infracção contra a Hungria e Polónia, ao abrigo do artigo 7.º do TUE. O mecanismo é ineficaz porque a imposição de sanções exige votação por unanimidade que, como é evidente, será bloqueada por esses países. Ao mesmo tempo, a CE instaurou no TJUE um processo de incumprimento contra a Polónia, no qual foi já emitida uma injunção para ser suspensa a lei que reduziu a idade de reforma para “sanear” uma parte dos juízes do Supremo. De pouco valeu. Na sequência foi aprovada uma lei que criou uma nova secção disciplinar no Supremo, com juízes nomeados por um Conselho totalmente politizado. Veremos o que vai acontecer, mas certamente os deputados que agora vamos eleger serão chamados a tomar decisões sobre esta matéria.

Portanto, se estas eleições fossem mesmo sobre a Europa, eis as questões que gostaria de ver respondidas: apoia a imposição de sanções à Polónia e à Hungria, se as reformas contra a independência judicial não forem revertidas? Apoia a criação de instrumentos reforçados que garantam o cumprimento das regras e cheguem, eventualmente, à imposição de sanções por maioria, como a suspensão do direito de voto e de atribuições financeiras?