Muitos dos direitos no mundo do trabalho são negociados e decididos por poucos

Em Portugal há um elevado nível de conflitualidade sindical que tem tido efeitos negativos na negociação colectiva. Mas também existem boas notícias.

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União entre sindicatos permitiu que contrato no sectores da vigilância e limpeza fosse assinado RITA RODRIGUES

Ao contrário de outros países europeus, como a Espanha ou França, em Portugal qualquer sindicato pode assinar com as entidades empregadoras contratos ou acordos colectivos de trabalho independentemente da sua representatividade. Como uma das características portuguesas no âmbito da regulamentação colectiva do trabalho passa por alargar estes contratos a trabalhadores e empresas que não estavam abrangidos à partida, esta é uma conjunção que pode pôr em perigo a negociação colectiva, alerta a socióloga Maria da Paz Lima.

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Ao contrário de outros países europeus, como a Espanha ou França, em Portugal qualquer sindicato pode assinar com as entidades empregadoras contratos ou acordos colectivos de trabalho independentemente da sua representatividade. Como uma das características portuguesas no âmbito da regulamentação colectiva do trabalho passa por alargar estes contratos a trabalhadores e empresas que não estavam abrangidos à partida, esta é uma conjunção que pode pôr em perigo a negociação colectiva, alerta a socióloga Maria da Paz Lima.

Mais concretamente, especifica esta investigadora do ISCTE-IUL, o que se revela “fatal é a combinação da extensão de convenções subscritas por sindicatos ultraminoritários com a caducidade unilateral das convenções colectivas, num quadro que estimula a perda continuada dos direitos do trabalho, quer por via da eliminação dos contratos, quer por via de negociações de concessão sem fim à vista”.

Por lei, os contratos colectivos de trabalho apenas abrangem os trabalhadores filiados nos sindicatos que os assinaram e as empresas representadas nas associações patronais que também são signatárias. Mas por via das chamadas portarias de extensão, os sucessivos Governos têm conseguido estender estes acordos a todo o sector de actividade a que pertencem os signatários.  

Esta é uma das razões que explicará a discrepância existente entre a reduzida taxa de sindicalização em Portugal e a elevada percentagem de trabalhadores abrangidos por convenções colectivas. Os últimos dados existentes dão conta de que a proporção de trabalhadores sindicalizados tendo em conta o total de assalariados era em 2012 de 18,5%. Já a percentagem de trabalhadores cobertos por contratos colectivos estava então nos 89,7%, um valor que desceu para 86,5% em 2017.

Muitas das convenções objecto de extensão foram assinadas apenas por sindicatos filiados na UGT. Esta é uma das marcas das clivagens sindicais existentes em Portugal, que é definida na plataforma sobre o mundo do trabalho da Universidade de Amesterdão (ICTWSS) como sendo “intensa (tanto a nível político, como ideológico e organizacional), estando associada a conflitos e competição”.

Aumentar

Mas a extensão das convenções não é, só por si, perniciosa, comenta a investigadora do ISCTE, adiantando que este instrumento permite evitar “o dumping social”, que se traduz na desvalorização do preço da mão-de-obra.

O problema, e aqui voltamos ao início, é quando este objectivo é corrompido e as portarias de extensão acabam por se traduzir na imposição de acordos “menos bons”, resultantes da disponibilidade de “minorias sindicais em fazer todas as concessões em troca de influência”, adianta Maria da Paz Lima. Que alerta para a mistura letal que pode resultar desta prática quando se junta com a possibilidade, introduzida em 2003, de se decretar a caducidade unilateral das convenções colectivas antes que estas sejam substituídas por outras, o que geralmente sucede por iniciativa das entidades patronais.

O PCP e o BE já apresentaram projectos de lei com vista a pôr fim à caducidade unilateral, mas PS, PSD e CDS votaram contra, o que determinou o seu chumbo.

Mais férias

Mas na negociação colectiva em Portugal também se têm registado evoluções positivas, nomeadamente com a integração nos contratos e acordos colectivos de novos direitos, como por exemplo a adopção de horários flexíveis em função do “interesse dos trabalhadores”. O que pode, por exemplo, passar por estes poderem escolher as horas em que começam ou terminam a jornada de trabalho, como se encontra estipulado em contratos recentes abrangendo sectores da indústria do calçado, dos transportes ou da indústria metalúrgica ou farmacêutica.  

É o que se depreende do último relatório anual sobre a evolução da contratação colectiva publicado pelo Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. Que dá conta também de outras mudanças. Por regra, os contratos colectivos não costumam ir além da Lei Geral do Trabalho, mas nas revisões que têm sido efectuadas às convenções em vigor há “um número relevante que consagra uma duração inferior do período normal de trabalho aplicável a todos os trabalhadores” em vez de estabelecer como norma o limite legal máximo. E no que respeita às férias “a maioria das convenções” estabelece períodos mais longos do que mínimo de 22 dias úteis fixados por lei.

Por outro lado, e em contracorrente da tradicional conflitualidade sindical, também há a registar este caso de “boas práticas na área sindical”, apontado pelo investigador do ISCTE Reinhard Naumann. Aconteceu em 2017. “Depois de anos de concorrência intersindical que provocou uma grave crise na contratação no sector da vigilância privada, os sindicatos foram capazes, contra todas as expectativas, de criar uma frente comum (que envolveu sindicatos da CGTP e da UGT) e negociar um novo contrato colectivo”.